Professor Fausto Matto Grosso: reparação justa e merecida

Nesta quinta-feira, 2 de março, o IHGMS sedia ato de reparação, de desagravo à memória do Engenheiro e Professor Francisco Fausto Matto Grosso Pereira, docente da Engenharia da UEMT demitido por perseguição política em 1972, auge dos anos de chumbo.

Professor Fausto Matto Grosso – Foto: Arquivo

Num misto de emoção e saudade me informo, pelo artigo do Jornalista Edson Moraes publicado no portal do Correio de Corumbá, decano da imprensa corumbaense, que a Doutora Maria Augusta dos Santos Rahe Pereira, Companheira de Vida do saudoso Professor Fausto Matto Grosso, receberá neste dia 2 de março, na sede do IHGMS, o solene documento póstumo de anistiado.

Mais que um ato de desagravo à memória do incansável Professor de Cálculo do Curso de Engenharia Civil da extinta Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT) demitido por perseguição política em 1972, trata-se de uma reparação justa e necessária à memória de um dos maiores ícones da esquerda sul-mato-grossense. Segundo o também saudoso Professor Jair Madureira, Reitor da sucedânea Universidade Federal de Mato Grosso do Sul de 1985 a 1988, Fausto Matto Grosso sempre foi referência no âmbito universitário, inclusive durante o tempo em que foi impedido de exercer a docência.

Honrado, disciplinado, metódico, abnegado, comedido, discreto, estudioso, articulado, rigoroso consigo mesmo e verdadeiro revolucionário, o Camarada Fausto Matto Grosso, a despeito de diferenças pontuais, é (tempo verbal presente) o exemplo mais eloquente do agente político que exerce a política como uma missão. Até políticos conservadores como o então Vereador Francisco Giordano Neto reconheciam nele um adversário leal, qualificado e merecedor de respeito, pois não levava as questões políticas e ideológicas para o campo pessoal.

Sobre essa postura estoica, quase espartana, o saudoso Doutor Plínio Barbosa Martins (Senador Moral de Mato Grosso do Sul, Irmão do Doutor Wilson Martins e Pai do à época Vereador Marcelo Martins, colega e correligionário de Fausto), nos idos da década de 1980, dissera a uma Amiga então correspondente do Jornal da Manhã, de Goiânia, que Fausto Matto Grosso seria o gestor ideal de Campo Grande. A entrevista fora concedida pouco antes da eleição municipal extraordinária de 1985, para substituir prefeitos biônicos das capitais e municípios de área de segurança nacional e estâncias hidrominerais, criados pelo regime de 1964 nos anos de chumbo, quando o povo passou a votar contra a Arena, o partido da ditadura.

Ao lado de dois igualmente incansáveis ativistas políticos de generosidade excepcional (os Advogados com letra maiúscula Carmelino de Arruda Rezende e o saudoso Onofre da Costa Lima Filho), Camaradas do antigo PCB, que trocaram uma carreira política de sucesso por se manterem leais à linha política do velho Partidão, Fausto Matto Grosso não deixou nem durante o tratamento de saúde que consumiu seus dias mais caros ao lado da Doutora Maria Augusta, dos Filhos e Netos suas ‘tarefas’ de agente político incansável: concluiu seu emblemático livro “Histórias que ninguém iria contar” a pouco mais de um mês de sua eternização.

Embora as novas gerações de campo-grandenses desconheçam, a primeira discussão que deu origem a duas iniciativas estruturantes da capital — a Lei de Uso do Solo e o Plano Diretor do Município, precedidos da proposta de criação daquilo que deveria ter sido o Instituto de Planejamento de Campo Grande e Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de Campo Grande –, são devidas a ele e a seu companheiro de Partido Marcelo Barbosa Martins, cujo interlocutor na administração municipal era o também engenheiro Jorge Haddad. Ao contrário de hoje, uma discussão cosmopolita que tomou conta de todos os segmentos sociais da capital.

Quando pró-reitor de Extensão e Assuntos Estudantis da UFMS, no mandato do Professor Celso Pierezan, inspirado no Festival de Ouro Preto, instituiu o Festival de Corumbá, em cujo mandato se realizou nos anos 1994 e 1995. Essa iniciativa acabou sendo resgatada anos depois, quando o então governador José Orcírio Miranda dos Santos aprovou, em 2004, a realização do Festival América do Sul em Corumbá, depois de um longo debate cuja iniciativa e coordenação coube ao assessor do vice-governador Egon Krackecke, Professor Hélvio Rech, que convocou todos os segmentos ligados à cultura e atividades de cidadania a se reunirem até a véspera do réveillon de 2003 em Campo Grande.

A capacidade de resiliência do Professor Fausto era invejável: toda vez que chegava em Corumbá para se reunir com os (poucos mais leais) membros do velho PCB, não deixava de fazer uma verdadeira peregrinação à casa dos veteranos Camaradas, muitos deles já bastante idosos, como os saudosos Seu Juquinha e Seu Adolfo, a quem dedicava o tempo que fosse preciso para mantê-los informados de tudo. Era um trabalho hercúleo. Quase a totalidade da velha geração não aprovava a nova linha política do PCB, pois tinham pelo veterano Prestes, o Capitão da Esperança, uma relação de lealdade longeva.

Soube por velhos militantes que no tempo da (mal)ditadura, a assistência aos veteranos era total — não apenas com informações e material de leitura, mas ajuda pecuniária e de assistência médica e jurídica, devido às perseguições e retaliações a seus familiares –, e durante muito tempo coubera ao Fausto essa missão. Foi assim que ele conheceu as diferentes gerações que compuseram o mais antigo partido político brasileiro. Seu jeito comedido e disciplinado contribuiu sobejamente para que os veteranos tivessem vez e voz junto às novas gerações, ávidas de transformações e conquistas.

Do portal da Fundação Astrojildo Pereira, de cujo conselho consultivo foi membro desde a sua criação, consta uma sequência fotográfica bastante eloquente, em que aparecem imagens memoráveis do pioneirismo da esquerda sul-mato-grossense. As primeiras ações e mobilizações em defesa da convocação da Assembleia Nacional Constituinte, da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, da revogação das leis draconianas do regime de 1964, eleições diretas e gerais (de prefeito a presidente), da autonomia sindical, do fortalecimento da sociedade civil, pelas liberdades democráticas, em todas elas está Fausto Matto Grosso.

*Ahmad Schabib Hany

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