Ripley salva a Netflix da mesmice

Irresistível versão “noir” do livro de Patrícia Highsmith destila um meticuloso e elegante suspense ao longo de oito episódios.

Este trabalho é definitivamente um alento para aquele que gasta seu tempo na plataforma em busca de algo que preste. Quem preza pela qualidade, admira a arte cinematográfica e se encanta com narrativas visuais e interpretações de cair o queixo, vai se desbundar com a minissérie “Ripley”. É um deleite. Muito acima da média do que você já assistiu no streaming. Vale degustar cada cena, quadro, plano sequência ou expressão. Vá com calma para aproveitar ao máximo. Aliás, pressa é o que essa minissérie não tem.

Cena da minissérie “Ripley” – Foto: Divulgação

A direção e o roteiro (com mais de 500 páginas) são de Steve Zaillian (A Lista de Schindler). Trata-se de uma adaptação do livro “O Talentoso Ripley” de Patrícia Highsmith, lançado em 1955. No cinema, a história já foi retratada pelo menos em dois filmes: em 1960 em “O Sol por Testemunha”, protagonizado por Alain Delon; e em 1999 com Matt Damon na pele de “O Talentoso Hipley”.

Mas o que pode haver de original agora? Tudo? Certamente muita coisa, considerando que a base da história é a mesma. O restante carrega boas diferenças e adições. A disponibilidade de oito episódios permite, dentre outras coisas, que as personagens principais ganhem uma construção mais sólida e que a história possa ser contada em um ritmo de leitura, mais próxima da realidade. A solução para o que fazer com um corpo após um assassinato, por exemplo, não brota por acaso. É preciso encontrá-la. E nesse momento a gente se dá conta de que estamos mergulhados no mesmo objetivo do protagonista. Por pouco não levantamos do sofá para lhe oferecer ajuda.

Outro diferencial é o charmoso clima “noir” da minissérie (ambientada em 1960) com um preto e branco acertado, deslumbrante e de alto contraste (o branco é fortemente branco e o preto também, com poucas referências de meio tom) somado a uma exuberância total em direção de fotografia e arte, com muitas imagens esfumaçadas, cigarros, sombras e texturas.

Sem esquecer as referências a mestres como Fellini e Hitchcock, um passeio pelas belezas de Veneza, Nápoles, Roma e Sicília e pelas obras de artistas europeus consagrados, como Picasso e Caravaggio. Nada é gratuito. Cada detalhe, luz, sorriso ou movimento da sobrancelha de algum personagem carrega informação. 

No bom elenco, dois atores se destacam: Maurizio Lombardi, na ótima interpretação do ‘ispettore’ Pietro Ravini e Andrew Scott, como Tom Ripley. Este último merece aplausos. Depois de ele se destacar em papéis como Moriarty na série “Sherlock” e do ‘padre gato’ de “Fleabag”, arrisco a dizer que Scott encontrou um personagem pelo qual será lembrado enquanto ator. Seu trabalho é magistral. Tom Ripley é um perigoso trapaceiro, um sociopata amoral e sem escrúpulos. Mas, cuidado! Ele convence ao contrário. Ou seja, Andrew Scott deixa o aviso: Tom Ripley pode ser o seu vizinho, seu melhor amigo ou até alguém de sua família.

Assista “Ripley”, correndo, mas sem pressa.

(*) Ariosto Mesquita é jornalista, especialista em Marketing, mestre em Produção e Gestão Agroindustrial e cinéfilo.

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