A Democracia é um direito, defendê-la é um dever

Como em 1977, a sociedade civil organizada e a academia proclamaram a defesa da Democracia. Atentas e em vigília.

Foto: Divulgação

O dia 11 de agosto de 2022, tal qual o de 1977, entra para a História como o Dia da Defesa da Democracia. Não houve uma capital, uma universidade pública ou privada, um coletivo organizado, um espaço público que passasse a emblemática data sem reunir cidadãs e cidadãos altivos a proclamar a defesa corajosa da Democracia e o respeito à urna eletrônica — a mesma, aliás, que amedrontava, “como o diabo foge da cruz”, os facínoras que covardemente prenderam, sequestraram, torturaram, fizeram desaparecer e mataram em nome de uma ‘democracia relativa’ entre 1964 e 1985.

Ainda que os dirigentes das universidades públicas de Mato Grosso do Sul não tivessem se somado ao histórico ato, a inquietude cidadã de alunos, docentes e servidores fizeram a diferença. Em 1977, antes mesmo de ser anunciada unilateral e monocraticamente a partilha de Mato Grosso para ‘esticar’ a bancada da Arena (partido da ditadura) tanto na Câmara de Deputados quanto no Senado Federal, os reitores da época também tinham se omitido de qualquer manifestação em defesa das liberdades democráticas.

Cívica e solenemente, como nas memoráveis manifestações das Diretas-Já, reuniram-se aos milhares cidadãs e cidadãos de diversas idades, gerações, classes sociais, atividades econômicas, categorias profissionais, condições de vida, origens, etnias, raças, gêneros, orientações sexuais, ideologias, convicções filosóficas, denominações religiosas, credos, opiniões, modalidades desportivas e times de futebol. Patrioteiros às favas, mas civismo é isso: é comungar na diversidade, sem vociferar, ofender e disseminar ódio e propalar intrigas, fakenews. Mais uma vez, o Brasil mostrou a sua cara, com coragem e galhardia.

Havia, por acaso, alguma ‘matociata’ a ameaçar? Havia alguma horda a tumultuar? Havia algum torturador a agredir? Não. Sem capuz nem rostos cobertos, cidadãs e cidadãos, livre e espontaneamente, decidiram defender o que há de mais sagrado em uma Nação constituída de pessoas que conhecem cada passo galgado para erigir um Estado digno de ser Democrático de Direito — fruto do sacrifício e da luta abnegada de brasileiros que deram os melhores dias e o melhor de si para que vivêssemos a plenitude democrática.

O modesto Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa, no coração do Pantanal e da América do Sul, não deixou de se somar à manifestação histórica e, por meio de plataforma digital, reuniu alguns de seus integrantes para estar em rede durante o ato de proclamação da vigília em defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, quando foi lida a Carta às Brasileiras e Brasileiros, com quase um milhão de adesões, a exemplo do que foi protagonizado pelo saudoso Professor Goffredo da Silva Telles Junior em 1977, ano em que se comemorava o Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil.

E não interessa o deboche do inominável sobre as eloquentes manifestações em defesa e respeito dos valores democráticos duramente erigidos ao longo das últimas décadas. Fica evidente sua postura ignóbil e isolada, própria de quem nunca comungou dos generosos sonhos e inesgotáveis lutas por uma sociedade mais justa, livre e solidária. Até porque não são poucas as constatações nítidas, antes e depois de 2019, de seu desprezo pelo Estado Democrático de Direito, pelas instituições de Estado que velam pelos cânones da Carta Magna e, sobretudo, pelas políticas públicas sociais de promoção, proteção e reparação social, cujos órgãos gestores foram criminosamente alvo de toda sorte de atentados, do desmonte até o esvaziamento institucional e estrangulamento orçamentário ao longo de um mandato antipovo e antinacional.

Ante a afronta de saudosos, viúvos e órfãos da (mal)ditadura, corajosa e altivamente a sociedade civil organizada e a academia proclamaram a defesa intransigente da Carta Constitucional de 1988, fruto da histórica e emblemática mobilização que escreveu nova página de nossa História. A partir de então, Democracia são as eleições diretas, livres e universais com os direitos inalienáveis à alimentação, à saúde, à educação, à assistência social, à dignidade, à cultura, à equidade, ao ambiente protegido e saudável, à inclusão, ao emprego e trabalho, à formação profissional, à proteção social, à seguridade social, à segurança pública, à promoção desportiva, à defesa dos direitos da população infanto-juvenil e da terceira idade, à liberdade de orientação de gênero, à liberdade de culto religioso, ao respeito pelas populações originárias, tradicionais e afrodescendentes, ao direito de moradia digna, ao acesso equitativo de oportunidades, ao enfrentamento das vulnerabilidades sociais e econômicas, o combate ao racismo estrutural e, sobretudo, ao efetivo direito de ir e vir com integridade nas periferias e nas comunidades, bem como a preservação do patrimônio histórico e cultural, material e imaterial, da população toda, como garantia de afirmação das identidades, e o desenvolvimento científico-tecnológico para assegurar a soberania nacional e popular em todas as dimensões.

Atentos e em vigília, os mais amplos setores da sociedade civil reiteram com maturidade e compromisso inarredável com os valores e as instituições democráticas que asseguram o funcionamento efetivo, pleno, do Estado, em especial com os mais vulneráveis deste país-continente que em menos de 30 dias celebrará seu bicentenário de Independência num processo incessante e crescente de empoderamento da cidadania. Se isso desagrada uns bizarros seres desconectados da contemporaneidade, são outros quinhentos. O fato é que, como nunca, capital e trabalho estiveram lado a lado para proclamar e resistir às incessantes investidas fascistas contra o nosso bem maior. A Democracia é um direito, e defendê-la é um dever.

*Ahmad Schabib Hany

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