Vergonha alheia

Não querer enxergar a realidade, ainda que seja gesto de tolice, é um direito. Agora, atrapalhar a Vida dos outros porque o seu predestinado não teve competência de conquistar os votos necessários para ganhar um segundo mandato, isso lá é uma tremenda falta de semancol...

Foto: Divulgação

Caro/a leitor/a, já sentiu vergonha alheia?

Pois é, chegam a ser constrangedoras, para os que têm um mínimo de vergonha na cara, as atitudes desmioladas de pessoas que, até menos de um mês atrás, batiam a mão no peito e diziam não votar em ladrão. Mais que isso, que o inominável era predestinado a fazer uma verdadeira limpeza e introduzir a mais pura ética na política…

Qual ética? A do centrão? Predestinado como? Para causar prejuízos irreversíveis em diversas áreas da gestão do País? Inclusive as mortes pela covid-19? Quem vai repor o rombo bilionário do tesouro nacional, descaradamente feito para saciar a cobiça, o apetite de poder de verdadeiros fariseus, falsos patriotas e sonegadores contumazes?

A única coisa que o capetão, digo, o inominável fez foi a proteção de si e dos seus por 100 anos — ou para que foram editados tantos decretos assegurando essa sem-vergonhice de sigilo por um século (sim, 100 anos)? –, além do ‘orçamento secreto’, que representa uma sangria criminosa para um país que, em menos de seis anos, segundo o próprio IBGE, a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica cresceu assustadoramente e em 2021 passava de 30% dos habitantes do Brasil, isto é, mais de 63 milhões de pessoas.

Repito: esse inominável predestinado para fazer o quê?

Bastou a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) publicar os relatórios de gestão do mandato do inominável para ter noção da extensão do estrago da política de terra arrasada adotada pelos patrioteiros de araque: saúde, educação, ciência e tecnologia, assistência social, cultura, infraestrutura, segurança pública, desenvolvimento regional, meio ambiente, direitos humanos, políticas indigenistas, políticas de igualdade racial, defesa de diretos da mulher, das crianças e adolescentes, das pessoas com deficiências, dos povos originários, dos afrodescendentes, dos idosos, das pessoas em situação de rua etc, combate à fome, enfrentamento à misoginia, à homofobia, à burrice, ao racismo, à intolerância e à lgbtqia+fobia etc, relações exteriores, reforma agrária, desenvolvimento local, integrado e sustentável, política de acessibilidade etc.

Antes de 2013, ano em que os malditos tonton macoutes começaram a mostrar as suas manguinhas de fora, eu, que desde 1975 tenho acompanhado o despertar da cidadania tanto em Corumbá como em Campo Grande (e durante três anos em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), nunca tinha visto os tais ‘patriotas’ (de araque), preocupados com tudo, até porque não sabiam o que queriam: do nada, começaram a atropelar tudo a todos/as (é assim como agem, sem urbanidade, respeito, civilidade ou parcimônia) e se apossar de tudo, como se detivessem algum direito ‘divino’ para se apoderar do que é coletivo. E a tratar os/as pioneiros/as como se fossem bandidos/as.

Hoje consigo entender por quê: essa é a prática, a conduta deles, inclusive com a ‘mão boba’. Não dá para esquecer os tais ‘éticos’ envolvidos em assédio sexual y otras cositas más… Os canalhas sabiam que tirávamos dinheiro do próprio bolso para pagar despesas que poderiam ser debitadas nas contas públicas, mas para não dar precedentes às velhas práticas da

cooptação (que vêm do tempo da mal-ditadura, é bom que saibam), a opção era bancarmos nossas despesas, e nunca — nunca! — abrimos exceção.

Na verdade, o chilique todo não é por causa da não reeleição do inominável, mas do fim da mamata. Está claríssimo: os relatórios dão com nitidez essa sem-vergonhice. Cinismo puro, na maior cara de pau, patrioteiros de ocasião, que nunca antes de 2013 mostraram preocupação com questões do interesse público, entre eles o controle social de políticas públicas.

Incompetentes, passaram quatro anos — em vez de trabalhar, coisa que na verdade não sabem, porque nunca suaram a camisa para nada — fazendo fakenews e promovendo o caos (e, durante a pandemia, a morte de inocentes) usando o nome de Deus em vão, e agora vêm com o maior acinte e desrespeito (aliás, como sempre agiram) chorar pelo leite derramado. Semearam vento, pois agora colhem tempestade (isso é bíblico)…

Mentir, mentir, mentir. Essa é a vocação (e a prática recorrente) dos fariseus. Mentem tanto, a tal ponto que fingem que acreditam nas próprias mentiras. Quatro anos de pura enganação (somado aos dois do mentiroso ‘brimo’ Temer, seis ao todo). Em vez de ficar atrapalhando o trânsito e a Vida do próximo, vão se penitenciar, procurar a verdade (que ela liberta, nas palavras da Bíblia), e apaziguar seus espíritos obscuros, porque se deixaram tomar pelo ódio, pela cobiça e, sobretudo, pelas trevas.

E, o pior, somos nós os que sentimos vergonha disso tudo. É, aliás, como a grande maioria deste país-continente se sente neste preciso momento em que se depara com os tonton macoutes saídos das trevas, das assombrações medievais, da dinastia de François Duvalier, o Papa Doc, que destruiu a primeira nação das Américas a se libertar do jugo colonial europeu mas que a cobiça (a mesma desses patrioteiros canalhas) estadunidense lhes roubou o porvir e a Vida, como de nós a querida e saudosa Doutora Zilda Arns.

*Ahmad Schabib Hany

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