Responsabilidade política, sim

O mercado se preocupa com a responsabilidade fiscal, a sociedade civil se preocupa com a responsabilidade social, e cabe à cidadania (que é a própria sociedade civil e o Estado) a preocupação com a responsabilidade política.

Em tempos de ‘responsabilidade fiscal’ e ‘responsabilidade social’, precisamos ficar bem antenados com a ‘responsabilidade política’. Isto é, o compromisso inarredável de todo e toda cidadã com o Estado de Direito, a Democracia, construído com muito denodo e sacrifício pelas gerações que venceram a (mal)ditadura 28 anos atrás. A cidadania, que é a sociedade civil articulada ao Estado, tem que estar atenta, vigilante, porque não são poucos — e são muito poderosos — os inimigos da Democracia. Olho vivo…

Ninguém se esqueceu da tentativa de golpe de 8 de janeiro, concebida, planejada, preparada, executada e monitorada por meliantes subordinados ao inominável, covarde que fugiu para os EUA. Também, todo cuidado é pouco com as vivandeiras travestidas de ‘bastiões da democracia’, como a FSP e assemelhados, que vivem a fazer ruir a frágil e delicada frente democrática que alicerça o governo de reconstrução nacional. Mais que intransigência, é preciso prudência, ponderação. Isso é responsabilidade política. É disso que precisamos neste momento delicado do país.

Por outro lado, a ‘responsabilidade social’ é a que se encontra em evidência, até por conta dos ‘ISOs’ da Vida… Lembram-se do ‘ISO 9000’? E aí vieram as atualizações: 9001, 9009 etc. Não só ONGs, ou OSCIPs (de acordo com a legislação brasileira, de 1999), mas pessoas comuns vêm se dedicando às ações solidárias não só de pessoas em situação de violência e vulnerabilidade (social, econômica, cultural, política, religiosa etc), mas de povos e biomas e, inclusive, de animais de pequeno, médio e grande porte vítimas de maus tratos, abandono ou mesmo de perda de tutoria (por morte ou doença do tutor).

Com as tragédias reveladas depois da avalanche obscuro-totalitária do inominável, veio o resgate, por sinal necessário e oportuno, da empatia presente: a agonia silenciosa do povo Yanomami na Amazônia, o choro contido dos sobreviventes desalojados do litoral norte de São Paulo, a angústia e o desespero dos sírios e turcos no coração da Eurásia, o recrudescimento da apartação (apartheid, em inglês, herança colonial britânica na África do Sul) nos territórios da Palestina milenar há 75 anos sob ocupação impune, em outros países do Oriente Médio, Golfo Pérsico, da África e da América Latina. Ucrânia? Sim, também, mas não como a imprensa corporativa ocidental tem manipulado: a venda cínica de tanques, mísseis e até aviões não representa promoção da paz, mas sanha sanguinária (e lucrativa) colonial do ocidente, para assegurar a sobrevida do império britânico-estadunidense, de triste memória.

Já quem defende com unhas e dentes a ‘responsabilidade fiscal’ é o mercado, isto é, os rentistas que não vivem do mercado de consumo, que não se encontram no setor de produção industrial ou de alimentos (a agroindústria) nem dos diversos setores do grande comércio (atacadistas, varejistas, supermercadistas etc). Eles recebem o pomposo nome de ‘investidores’, eis que são os que participam da jogatina, da roleta russa, chamada de bolsa de valores — mas bem que poderia se chamar de cassino do Paulo Guedes.

O tal ‘posto Ipiranga’ do inominável foi a fórmula encontrada pelos senhores da avenida Paulista — e aí eu me justifico: divirjo dos mestres que teimam em remeter para outro endereço, a avenida Faria Lima, mas a Paulista é a que melhor representa o ranço da casa grande, pois foi construída no tempo dos barões do café —  para ‘sacramentar’ uma aliança espúria que, como em todo golpe, rifou a população brasileira (especialmente trabalhadores, aposentados, indígenas, afrodescendentes, desempregados, informais, mulheres, população lgbtqia+, sem teto, sem terra, moradores de rua etc), a soberania nacional, científica e popular e, sobretudo, a Vida, a existência de todos os que habitam estes país e não fazem parte da reduzidíssima parcela (que não chega a 1% dos habitantes deste país-continente) dos descendentes da casa grande e de seus agregados.

Para esclarecer que não se trata de convicção, mas de constatação (eis uma das poucas coisas boas de ser, digamos, ‘vivido’, ‘experiente’, ou, melhor, de ter ‘tempo de janela’ e não se deixar ‘emprenhar pelo ouvido’): Guedes, o ‘posto Ipiranga’ que na juventude foi estagiário dos ‘Chicago’s boys’ que serviram à ditadura sanguinária do ultrafascista Augusto Pinochet no Chile, prestou-se ao papel de feitor (jamais gestor) da Economia com o único propósito de proteger os poderosos que conspiraram contra o Estado Democrático de Direito em 2016. Como o ‘brimo’ Temer não tinha cacife para tentar sua ‘reeleição’ (queimadíssimo e sem qualquer apoio popular), só lhes restaram um acordo à escocesa com o inominável e sua familícia, via Guedes, que teve carta branca mais que qualquer outro sinistro para fazer as suas perversidades, tudo mancomunado com os agiotas, usureiros, avarentos, sanguessugas e parasitas (para não falar de fora da lei, contraventores, contrabandistas, traficantes, criminosos, milicianos, jagunços, grileiros, garimpeiros, madeireiros, golpistas, mercadores da fé, vivandeiras, terraplanistas, charlatães, negacionistas, quadrilheiros e matadores de aluguel).

Eles (Guedes e o inominável) são, digamos, ‘amigos’ do atual presidente do Banco Central, neto de Roberto Campos — os mais jovens provavelmente não conheçam, um obscuro político cuiabano que teve seus quinze minutos de fama quando compôs o gabinete ministerial, como titular do Planejamento, do primeiro marechal do ciclo de mandarins ‘indiretos’ do regime de 1964, Castelo Branco. Nessa ocasião, um assessor, ligado ao prestigiado economista conservador, Luiz Octavio Bulhões (então da Fazenda de Castelo Branco), insistiu-lhe para que criasse um mecanismo de proteção dos preços, e por extensão, dos salários, chamado de ‘correção monetária’. Só que com a disputa entre a ‘linha dura’ (de Médici) e os ‘liberais’ (de Castelo Branco), acabou mandado à embaixada de Londres por algum tempo. Reapareceu em 1982 como candidato por seu estado, Mato Grosso, à Câmara dos Deputados (depois se reelegeu pelo Rio de Janeiro), sempre ao lado dos remanescentes da ditadura, como Paulo Maluf e Fernando Collor.

O tal ‘deus mercado’ não tem qualquer empatia. Seu negócio são os lucros, os juros, a agiotagem, que denominam pelo sublime e charmoso eufemismo de segurança jurídica. Tudo uma farsa. O negócio deles é a manutenção de um sistema caduco e decrépito, que para se manter destroem, ‘flexibilizam’, os direitos laborais, sociais, civis, difusos e por aí afora… Ou a volta do Brasil para o mapa da fome foi mero acaso, foi?! Enquanto 1% da população ficou muuuuito mais rica, nada menos que 58,7% da população (ou seja, 152 milhões e 200 mil habitantes) passaram a padecer de insegurança alimentar leve (e grave são nada menos que 15,8% da população, isto é, 33 milhões e 100 mil pessoas)…

Já reparou que, desde 1964, o chamado setor financeiro só tem tido superávit ano após ano? É a legislação ‘paternal’ de Roberto Campos (avô) e Luiz Octavio Bulhões (Professor Bulhões), do tempo de Castelo Branco, que nunca foi mexida. As ‘reformas econômicas’ feitas por Henrique Meirelles no tempo do ‘brimo’ Temer e por Guedes no tempo do inominável blindaram ainda mais os interesses dos rentistas e associados: o tal ‘teto de gastos’ (na verdade, limite em 80% do orçamento para os investimentos sociais e de infraestrutura, enquanto o pagamento dos serviços financeiros do Estado brasileiro não tem limites).

Olho vivo, leitor(a): o ‘mercado’, que nem se abalou com a tentativa de golpe em 8 de janeiro (basta ver os índices das bolsas da semana subsequente aos atos golpistas), não está nem aí para a agenda social e de desenvolvimento soberano do governo de reconstrução nacional. O que vale para o ‘mercado’ (ou seja, os rentistas) é o lucro diário de seus investimentos, o resto, como disse o inominável quando era um imbecil membro do baixíssimo clero da Câmara Federal, é resultado da ineficiência da cavalaria brasileira, porque nos EUA a cavalaria acabou com os povos originários…

*Ahmad Schabib Hany

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