Os vetores da Pacem in terris

Prof. Wagner Balera – Foto: Acervo Pessoal

Este momento, de tantas incertezas, é uma oportunidade para refletir sobre a Pacem in Terris, de São João XXIII. Diante da persistente falta de paz, esse Documento, dentre os sociais o mais agudo, permanece sempre atual, pois a paz está no âmago da proposta do Redentor: “Eu vos deixo a paz, Eu vos dou a minha paz…” (cf. Jo 14, 27). A cada ano, a Pacem in terris é relembrada como se fosse quase que uma memória litúrgica. Desde 1968, por iniciativa de São Paulo VI, se celebra, em todo 1º de janeiro, o Dia Mundial da Paz, para o qual o Pontífice reinante lança uma Mensagem.

Pacem in terris, para a construir a paz, propõe restaurar as relações de convivência entre os homens, a partir dos vetores da verdade, da justiça, do amor e da liberdade (PT 35-36, 162).

A mentira se mostra presente na raiz de todas as guerras. Assim como o relacionamento interpessoal, também o relacionamento entre as comunidades políticas deve se basear na verdade.

Basear as relações na justiça é dever essencial dos Estados. Para tanto, devem receber dos outros, garantias de existência (!) e perspectivas de desenvolvimento. A justiça exige, ademais, que sejam respeitadas as minorias, inclusive mediante o apoio às tradições, cultura, língua e modo de operar econômico. Atenção, porém, a exageros que comprometam a convivência, quando as minorias se fecham em si mesmas. A encíclica refuta todo e qualquer racismo, o que deve ser estendido para toda e qualquer discriminação. É também por justiça que devem ser acolhidos os refugiados, pessoas revestidas de dignidade, que, como tal, devem ser recepcionadas como parte integrante da comunidade que os acolhe.

Papa Giovanni (Papa João XXIII) – Foto: Arquivo

A verdade e a justiça criam a solidariedade dinâmica, apta a conjugar esforços para a conquista do bem comum universal, que propicia o salutar intercâmbio entre todas as nações. Onde houver divergências estas deverão ser superadas por uma solidariedade dinâmica, a demandar o apelo, que São João XXIII fazia, por uma eficiente autoridade mundial.

A resultante das guerras, além do morticínio em si mesmo atroz, é o ódio que se instaura na sociedade. Por exigência da justiça, deve-se buscar o desarmamento e a extinção das armas atômicas; mas só há um antidoto eficaz para o ódio: o amor. “Deus é amor” (1Jo 4, 8). São João XXIII considera que esse amor pode operar a animação e a consumação da ordem social.

Por fim, mas de não menor importância, cumpre considerar a liberdade como vetor capaz de proteger as nações da indevida e imprópria pressão de outras que a elas se sobreponham pelo poderio econômico, inclusive com a repugnante interferência em seus negócios. Razão suficiente para que seja conservada a liberdade dos povos é, naturalmente, a sua qualidade de sujeitos do próprio desenvolvimento e seus principais responsáveis.

Eis o verdadeiro caminho da paz a que nos conduz o Santo autor da Pacem in terris.

*Wagner Balera – Coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP.

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