Os Pirilampos da Saudade

Os Vaga-Lumes – Foto: Acervo Pessoal

 

Heraldo Andrade – Foto: Acervo Pessoal

Querido Pai. Estou escrevendo esta carta para dizer que tenho muito orgulho de ser sua filha. De ter sido uma menina caipira. Sempre fomos muito próximos, mas quando eu era criança na fazenda relembro que o Senhor saia com seu vidrinho pra encher de vagalumes para iluminar meu quarto. Me lembro como se fosse ontem. O vagalume era a magia que eu queria conhecer. Era o natal fora de época, era a estrela ao alcance da minha mão. Era tudo o que podia me dar. Aliás, os pais doam-nos mais do que pensam ter doado; ofertam-nos mais do que julgam ofertar

Foi a partir daí que eu fiquei fascinada pelos mistérios da vida. Eu sabia que o mundo tinha mais coisas do que eu poderia ver e ainda muito mais coisas do que eu poderia conhecer. Assim como o vagalume ele era mais do que aparentava ser. Era a sutileza em pessoa na sua pequena exuberância Era meu mundo.

Jociane de Andrade – Foto: Acervo Pessoal

Então ontem depois de tantos anos, justamente como são todas as coisas que não se explicam, estava eu deitada em minha cama, quando vi um vagalume entrar e não foi preciso mais que um instante para ouvir sua voz me chamando: -“ filha olha o que eu trouxe pra você”. E então somente naquele momento percebi que o vagalume carrega a escuridão que ninguém vê.

Foi o momento em que lembrei de todas as nossas conversas e mesmo com toda a humildade cada conversa era uma lição pra vida e mostrava com exemplos, que deveríamos buscar sempre fazer a coisa certa.

Sei que a lida na terra não te deu a oportunidade de estudar, mas não cansava de falar para eu e meus irmãos, que o estudo era algo que ninguém tiraria de nos. Sempre foi um homem do campo e trabalhador e lutava com afinco, para dar de tudo o que precisássemos. Perdi a conta das vezes que chegou do trabalho com as mãos calejadas e os pés feridos em razão do trabalho.

Jociane de Andrade – Foto: Acervo Pessoal

Inspira-me saber que o meu pai, embora em contato direto com a aspereza da vida, detinha-se na sutileza de dedicar-nos seu tempo e, não raro, uma música em seu radinho de pilha. Agora pergunto: – Alguma fortuna no mundo poderia legar-nos algo maior do que isso? Que a compreensão de que, mesmo no chão árido e grosseiro de uma existência sofrida ainda possa florir, nas frestas que entremeiam as dores, as mais surpreendentes delicadezas? Eu creio que não. Escolhi as mãos calejadas do meu pai para acariciar o meu mundo interior. Mãos sulcadas pela vida, cujas rachaduras guardam a terra pantaneira e a dor, mas que também tangenciam e entregam-nos, na agrura dos dias, as mais belas melodias.

Não tenho palavras para dizer o quanto tudo isso foi importante na minha vida. Sabe pai, por um tempo me afastei, do calor do seu abraço, mudei de cidade, outra querência, tive filhos e uma neta. Mas agora eu voltei para ficar perto e poder retribuir um pouco do que fez por mim. Hoje sou eu que vou lá no infinito do amor de uma filha, para te trazer a luz de um vagalume, entregar na sua mão e lhe dizer muito obrigado

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