O COVID-19 e as lições que precisamos obter

O COVID-19, como todo risco de vida iminente, nos oportuniza mudanças de atitude não apenas individuais ou coletivas, mas a necessária e inadiável inversão de prioridades e de valores das nossas instituições, viciadas em “protocolos” desumanizados pelo deus-mercado, esse grande amo e senhor dos pseudodemocratas de plantão.

Nestes primeiros dias de, digamos, resguardo familiar — ou, na terminologia sanitária, isolamento social —, além da salutar volta a um convívio em família há tempos preterido (tornamo-nos, de repente, mais sensíveis no relacionamento com as pessoas que amamos, mas o duro cotidiano nos enrudece, sobretudo pela premência do tempo), a Vida nos convida a refletirmos e agirmos com cordura e generosidade.

Mais que conduta própria de quem queira ganhar tempo e resgatar oportunidades relegadas a um segundo, terceiro ou enésimo plano — e nunca retomadas —, na verdade a sensação que temos é a de que, como nunca, estamos vivendo “um dia de cada vez”. Nossas manhãs parecem ser mais reflexivas, também pelo alívio de que o “bicho papão” não nos tenha pegado e não tenha pegado pessoas que amamos, admiramos, conhecemos ou observamos.

“Pai velho”, tenho aproveitado ao máximo estreitar minha relação com meu casal de pequenos, que têm me surpreendido o tempo todo: a despeito da inocência própria da infância (quase pré-adolescência), cada qual de acordo com a sua personalidade tem ofertado generosas pérolas que venho tentando registrar em um diário de pretenso sobrevivente. O fato é que responsabilidade cidadã e compromisso com os estudos são a pedra angular dessa relação, cujas intercorrências, vira e mexe, são causadas por “crianças” com décadas de janela e teimosia…

Além da necessidade de nos mantermos focados em nossas atividades de sobrevivência e em nossos compromissos profissionais e de consciência, essa nova postura — ou novo olhar para uma realidade voraz que nos torna iguais na fragilidade, não obstante correntes ideológicas insistam não sermos iguais porque há os “capazes” (“inteligentes”) e os “incapazes” (“menos favorecidos pela sorte”). Como me dizia um Amigo do Judiciário recentemente aposentado, como nunca estamos igualados por uma tragédia anunciada.

Como filho e neto de imigrantes do Oriente Médio, palco de guerras incessantes desde os tempos dos impérios turco-otomano, britânico e francês, faço questão de estabelecer uma diferença entre a sensação de impotência causada pelo COVID-19 e os conflitos bélicos, sejam guerras civis (como a do Líbano ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990) ou conflagrações militares internacionais (entre elas o interminável conflito israelo-árabe de 1948, 1956, 1967, 1973, 1987, 2003 e 2010, ou as do tipo “Tempestade no Deserto” 1 e 2 ou “Primavera Árabe”). Isto é, este momento não se assemelha a uma guerra, até porque esse “inimigo comum” é invisível e está em toda parte, e não é suscetível às armas usadas em guerra, sejam convencionais ou tecnológicas.

Obviamente, a gênese do coronavírus pode estar relacionada às estratégias de guerras biológicas ou químicas, como nas recorrentes intervenções das últimas décadas, em que gases de vários tipos têm sido utilizados, apesar da proibição por convenções internacionais. Longe de ser um devaneio no campo da “teoria da conspiração”, duas altas autoridades chinesas e um ministro russo já questionaram do governo de Donald Trump algumas questões que não se encaixam e que permitem antever uma hipótese de sabotagem. O tempo e a correlação de forças serão determinantes para a elucidação das causas e origem dessa pandemia.

Se temos um adepto de Nero na Casa Branca — e tudo indica que essa triste constatação não só é uma questão de tempo como unânime —, não podemos esnobar o eleitorado estadunidense depois da bizarra “eleição” de um recalcado sem noção para o Planalto. O pior é que o infeliz consegue ser insuperável, ou seja, quando acreditamos que já fez tudo que podia ter feito, ele ou os filhos, quando não seus iluminados assessores, nos surpreendem com um surrealismo de fazer inveja aos fãs do memorável e genial Dias Gomes com sua criação imortal, Odorico Paraguaçu, da eterna e sempre presente Sucupira, de “O Bem-Amado”.

Mas pouparei o generoso leitor dos desvarios e impropérios do clã presidencial. Apenas que fique claro que pegaram mal suas extemporâneas medidas provisórias que atribuem para ele a iniciativa de suspender tráfego em vias intermunicipais e interestaduais (como criança mimada que não sabe como exibir seu brinquedo novo aos/às amiguinhos/as) e a que suspende vínculos de emprego por até quatro meses sem conferir qualquer garantia aos empregados. Ora, se ele conhece as suas prerrogativas, por que não agiu no devido momento para conter o alastramento do coronavírus. Ele, que décadas atrás andou fazendo apologia à morte de “pelo menos 30 mil”, tem a obrigação moral de defender e priorizar a vida de todos/as os/as brasileiros/as.

O governador de São Paulo é outro que andou perdendo tempo e titubeando para tomar medidas efetivas de contenção da expansão do COVID-19, tanto quanto seu ex-colega de administração municipal Bruno Covas, vice que, com sua eleição para o governo de São Paulo, se tornou prefeito da capital paulista. Até a presente data não conseguiu equacionar o transporte coletivo e muito menos o transporte rodoviário, tanto que a jovem boliviana que foi conduzida em ambulância até a fronteira de seu país depois de mobilizar um inaudito operativo digno de reconhecimento tinha embarcado sem maiores dificuldades no terminal de Barra Funda, ao lado do monumento pela integração latino-americana, dentro do Memorial da América Latina, no tempo em que o querido e competente Jornalista Fernando Morais integrava o governo de Orestes Quércia como secretário da Cultura.

Ora, se um/a passageiro/a que embarca ou desembarca num terminal aeroportuário tem o dever e o direito de ter sua temperatura aferida e preencher questionário apropriado, por que passageiros/as de empresas de transportes rodoviários não têm o mesmo controle? Aí voltamos à questão central do golpe de 2016, em que as elites brasileiras estavam (sic) “cançadas” (com c cedilhado mesmo, por conta do desprezo à leitura!) de ter que embarcar no mesmo avião em que viajava a família da doméstica… Afinal, a jovem boliviana driblou o controle sanitário do terminal de Barra Funda com total desenvoltura, e o fato de ter sido denunciada (fato ainda não devidamente elucidado, pois a pessoa contaminada tem 44 anos), e o teste da jovem de 19 anos deu negativo, para alívio dos/as demais passageiros/as do ônibus interceptado no posto fiscal de Lampião Aceso.

E há algo que não podemos eludir: o sucesso das medidas de contenção da pandemia do COVID-19 na Coreia do Sul, cujas autoridades sanitárias não arredaram pé e adotaram a testagem de toda a população em áreas de risco, o que reduziu o impacto sobre o sistema de saúde e o número de óbitos. No Brasil, o governador Flávio Dino, do Maranhão, adotou esta estratégia e curiosamente vem sendo alvo do ódio burro de fanáticos/as seguidores/as do maldito — digo, “mito” —, incluídos profissionais de saúde e outros/as servidores/as públicos/as. Ainda que sejam passíveis de sanção legal por prevaricação, compartilhamento de fake news e formação de quadrilha, entre outros, a impunidade que campeia solta tem sido o maior incentivo da barbárie.

Que pelo menos pelo instinto de sobrevivência de seres vertebrados dotados de cérebro, as hordas fanáticas estanquem as suas incontinências fecais digitalizadas com que poluem os ambientes virtuais e façam o favor de retornar ao comportamento civilizado, consolidado com muito denodo pelas generosas gerações que nos antecederam. É o mínimo que devem fazer em respeito à espécie humana e à inegável trajetória de pelo menos dez mil anos de esforço por sua autossuperação.

*Ahmad Schabib Hany

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