Já era a hora de acabarmos com a pensão para as mulheres?

Silvia Felipe Marzagão – Foto: Arquivo Pessoal

A evolução social impulsiona mudanças em todos os campos do direito, mas no das famílias é que vemos as maiores movimentações. E, como não poderia deixar de ser, as movimentações sociais vêm atreladas às movimentações legislativas.

Dos mais importantes avanços legislativos que podemos citar é que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso I, preconiza a igualdade entre direitos e obrigações de homens e mulheres. Desde 1988, portanto, a mulher passou a usufruir de status jurídico de igualdade formal com os homens, o que nos levaria, numa primeira (e superficial) análise a imaginarmos que séculos de desigualdades positivadas estariam, em razão do festejado preceito constitucional, superados. A realidade social, contudo, nos mostra que a igualdade jurídica formal ainda não existe na prática.

Muito embora ainda se tenha uma realidade social de grande desigualdade, muitos temas familiaristas – guarda, convivência de filhos, questões patrimoniais e, principalmente, a fixação de pensão alimentícia para o cônjuge/companheiro (leia-se, na grande maioria das vezes, para as mulheres) – já passaram a ser enfrentados sopesando a igualdade constitucionalmente prevista.

De fato, antes tínhamos a fixação de alimentos entre cônjuges como certa, sem maiores discussões e estabelecida de maneira vitalícia. Atualmente, essa mesma fixação passou a ser, de maneira reiterada em nossos Tribunais (inclusive os Superiores), tida como excepcional e transitória.

A fixação de alimentos para a mulher, com o novo paradigma constitucional, deixa de ser certa para passar a totalmente questionável. As reiteradas decisões judiciais negando verba alimentar às esposas e companheiras pós rupturas têm nos levado à conclusão que a verba alimentar para a mulher está, ao que parece, com dias contados.

Essa situação, contudo, nos faz refletir sobre um questionamento ainda sem resposta: 30 anos são suficientes para uma reorganização social a ponto de a presunção de dependência financeira feminina passar a presunção de plena capacidade de se auto sustentar após o divórcio?

De fato, as legislações vigentes até muito pouco tempo positivaram uma dominação de gênero masculino ao feminino, alçando a mulher à subcategoria de ser de direitos. A própria gestão da unidade familiar, até a promulgação do Código Civil em 2002, era exclusiva do homem que ocupava a posição de cabeça da família e grande responsável por sua vida financeira.

Esperava-se, todavia, que o movimento de equiparação se desse de maneira mais paulatina e não tão assoberbada. O que se viu foi que, logo nos primeiros meses após promulgação da Constituição Federal, nos deparamos com decisões aplicando a plena equiparação entre gêneros. A questão, a nosso ver, é que a adequação da fixação alimentar ao novo paradigma de igualdade jurídica deu-se de maneira, salvo engano, apressada.

Ao partir do pressuposto que homens e mulheres têm a mesma condição de se auto sustentar, o sistema judicial deixa de levar em consideração arranjos familiares que, muitas vezes, privilegiam a carreira do homem em detrimento à da mulher, que passa a ser a principal (não raras vezes, a única) responsável pelo cuidado da prole.

No nosso entender, o novo paradigma na fixação de verba alimentar para mulheres deve atender uma sistemática de transitoriedade real, ou seja, deve observar que, num mundo de extremas discrepâncias entre gêneros, maridos e esposas não podem, desde logo, ter a mesma participação em seus próprios sustentos se essa não era a realidade experimentada pelo casal conjugal durante o convívio.

O que não se pode, como se tem visto, é perpetuar, via Judiciário, a desigualdade de gêneros baseando-se numa suposta igualdade jurídica, sob pena de se apenar mulheres com legislação que a elas deveria ser benéfica e garantidora de direitos.

Evidente – e jamais nos posicionaríamos de maneira contrária – que a dignidade humana perpassa pela autodeterminação e pelo sustento próprio, sendo deveras importante que cada qual – seja homem ou mulher – viva do resultado de seu trabalho e esforço pessoal. O que se está questionando é que, infelizmente, a igualdade jurídica alçada a igualdade fática não corresponde à realidade social que se vivencia nos dias atuais.

O que não nos parece razoável, contudo – ao menos que se queira chancelar de maneira definitiva as desigualdades até então postas – é que a igualdade jurídica constitucional possa, ainda que de maneira não intencional, ser usada contra aquela que dela mais deve ser beneficiária: a própria mulher.

*Silvia Felipe Marzagão, advogada do escritório Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas. É diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família; membro da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo e presidente do Núcleo de Aprimoramento Prático de Direito de Família e Sucessões

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