No país em que o voto precisa ser obrigatório, o que funciona se não for?

Em dias de reflexões sinceras sobre o cenário conturbado que vivemos no Brasil, não é difícil concluir que tudo aquilo que enfrentamos politicamente é apenas um reflexo da população que somos.

O brasileiro tem má fama de gostar das trapaças, sejam as grandes ou as pequenas, além de ter o talento nato de estragar aquilo que pode ser bom e ignorar o que traz – ou traria – melhorias para a sua vida. É triste, mas é verdade, afinal, em pleno 2019 ainda tem gente que se orgulha do ‘jeitinho brasileiro’.

Se você duvida, eu provo com dados. Como é possível garantir uma saúde com mais qualidade às pessoas? Prevenindo doenças. Pois bem, no Brasil, seja por displicência ou por pura falta de vontade, 29% da população não se vacinou contra o sarampo e 23% contra a poliomielite, mesmo ambas sendo gratuitas. Ainda no campo da saúde, mesmo com todas as campanhas e investimentos realizados contra a dengue, houve um aumento de 149% no número de casos em 2018 – se comparado a 2017. Por fim, 72,5% brasileiros não usam protetor solar, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Cosmetologia e Ciências da Pele. Afinal, tanto as vacinas, o uso de protetor ou a simples ação de não deixar água parada em casa não são obrigatórias, logo, são ignoradas.

Nesse mesmo Brasil, se o voto – que é um direito – não for obrigatório, as pessoas não o praticam. Mais de 21% dos brasileiros se abstiveram da votação nas últimas eleições presidenciais no país, em 2018, mesmo com o voto sendo obrigatório.

Se você tivesse que chutar, qual porcentagem da população você diria que possui seguros (e aqui, valem os de carro, de vida, de imóvel etc)? A resposta é chocante: apenas 30% se previne quanto às adversidades veiculares. Ou seja, 70% dos automóveis em circulação no Brasil não possuem nenhum tipo de seguro, segundo dados da CNSeg. Quando o assunto são os seguros de vida, o cenário é ainda pior: apenas 19% dos brasileiros têm esse tipo de proteção, de acordo com a Universidade de Oxford.

Podemos citar aqui uma infinidade de benefícios, direitos ou facilidades que o brasileiro tem à disposição, mas que prefere ignorar. Sendo assim, vamos falar de outros números preocupantes: mais de 47 mil pessoas morrem por ano no trânsito do Brasil, segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). Desses acidentes, cerca de 90% acontecem por falha humana, como imperícia e imprudência, de acordo com o ONSV (Observatório Nacional de Segurança Viária).

Para mudar esse cenário, o Brasil assinou o tratado da ONU (Organização das Nações Unidas), que criou a Década Mundial de Ações pela Segurança no Trânsito e implementou evoluções significativas em seu processo de formação de novos condutores, inclusive utilizando alta tecnologia durante as aulas, com o uso dos simuladores de direção. Comprovadamente, a simulação da realidade contribui para a melhor capacitação de pessoas nas mais variadas áreas em que é utilizada, como aviação, medicina e no próprio trânsito, o que se observa em diversos países do mundo, como Japão, Austrália, Canadá, Chile, Espanha e Estados Unidos.

Recentemente, iniciou-se um debate sobre transformar o uso do simulador em algo facultativo e não mais obrigatório, como as demais etapas do processo de obtenção da carteira de motorista. A conclusão é simples: seria muita inocência acreditar que, se for opcional, os alunos escolheriam utilizar os simuladores, afinal, como apresentado até aqui, o brasileiro tende a não cumprir itens de segurança que não lhes sejam obrigatórios.

Se você se lembra de como eram os índices de acidentes antes da obrigatoriedade – e punição para o descumprimento – do uso do cinto de segurança e do capacete para os motociclistas, sabe do que estou falando.

 

*Bruno Neves é gerente de Inteligência de Mercado no Grupo Tecnowise

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