O Brasil posto à margem do desenvolvimento

A história da humanidade desconhece exemplo de país que se tenha desenvolvido e aspirado à categoria de potência (sob qualquer título) sem antes haver investido, sistemática e pesadamente, em educação, ciência e tecnologia e desenvolvimento industrial, exatamente nesta ordem, porque sem ciência e tecnologia não há indústria nem desenvolvimento, qualquer, a começar pelo desenvolvimento social, que exige pleno emprego e distribuição de renda. E sem desenvolvimento industrial nenhum país pode aspirar à soberania, e seu povo a algum grau de liberdade. A industrialização proporciona aumento da produtividade, enseja criação de empregos em todos os setores da economia, em face de seu poder multiplicador, promove o desenvolvimento de novas tecnologias e inovação, além de maior diversificação econômica. E quem não domina a tecnologia e a inovação, e não tem indústria, tampouco tem forças armadas dignas desse nome, ou seja, capazes de garantir a defesa do país, eis que terminam condenadas a fabricar o inimigo interno (a população que as sustenta) para construir o autoengano de que têm alguma razão de ser. A experiência brasileira é exemplar nesse triste sentido.

É notório o papel da Escola de Sagres para o ciclo das conquistas marítimas portuguesas. De igual modo é impensável a revolução industrial inglesa sem a invenção da máquina a vapor, que, por seu turno, mudou as regras do guerrear até então conhecido, regras que variam a cada conflito – e os conflitos, afora o mais, servem para o teste e aperfeiçoamento dos novos inventos.

A preeminência da tecnologia como condição para o desenvolvimento econômico e a soberania, que passa pelo desenvolvimento industrial, é o testemunho dos EUA desde o século 18, e da União Europeia de hoje, que sobrevive, mesmo politicamente subalternizada, graças aos frutos acumulados de seu passado de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. É de igual sorte a lição da Índia e dos “Tigres asiáticos”. Mas o modelo paradigmático de desenvolvimento acelerado e contínuo é oferecido pela China.

Os países asiáticos se desenvolveram na contramão do atraso brasileiro, persistente, porque é persistente, entre nós, a ditadura de uma mesma classe dominante, aquela que vem do engenho e da casa-grande e hoje se instala na Faria Lima para, dali, conectada com Wall Street, comandar o grande capital, o centro do poder real, desapartado da produção que gera bens e serviços.

Nos fins do século 18, quando ainda vegetávamos na colônia, avessa ao desenvolvimento, os EUA optaram pela integração na revolução industrial inglesa de 1780. O Report on Manufactures, de Alexander Hamilton, data de 1791. Naquele então continuávamos exportadores de açúcar e das matérias-primas demandadas pela Europa, proibida, pela corte de Lisboa, qualquer iniciativa visando à produção de manufaturas. Bem depois, já em 1864, em mais uma vitória da terra, os empreendimentos do Barão de Mauá, empresário pioneiro na industrialização nacional, conheceram a bancarrota, apressada pela má vontade de um imperador autoritário e incuravelmente reacionário, velho de senilidade precoce. Hoje somos tão só uma expectativa de desenvolvimento na periferia do capitalismo; uma sociedade obscenamente injusta, pois arrimada na desigualdade mais profunda – que se manifesta nos planos econômico, social, racial e de gênero – e gritantes desníveis regionais.

Enquanto os EUA caminhavam para a industrialização, o Brasil, ao se apartar de Portugal, erguia um império arcaico dominado pelos senhores da terra, usufrutuários de uma agricultura predatória, explorada como latifúndio, sustentada na escravidão de negros africanos e indígenas apresados e na exploração do branco pobre. O latifúndio, terras a perder de vista, que, pela vastidão de suas extensões dispensava cuidados, é consagrado em 1850, com a Lei das Terras, o estatuto da propriedade privada sacralizada e da agricultura de exportação, fechando o acesso à terra aos que nela queriam e precisavam trabalhar.

Como lecionava o Conselheiro Acácio, tudo tem suas consequências e elas sempre vêm depois, principalmente quando são daninhas. Uma delas é a incômoda distância do desenvolvimento de dois países nascidos na mesma época: Brasil e EUA. O PIB do Brasil, apurado em 2022, somava US$ 1,92 trilhão em 2022; o dos EUA, US$ 26,13 trilhões. O outro lado desses números: enquanto nos EUA a indústria participa com 25% da formação do PIB, no Brasil seu peso, em queda, está em 10%.

Por fim, enquanto no Brasil a produção agrícola responde por algo próximo de 40% da balança comercial, no Grande Irmão do Norte seu peso varia entre 10 e 15%.

Neste século, tardiamente libertada do imperialismo inglês (1947), a Índia, devassada por lutas fraticidas e movimentos autonomistas, dividida em castas, dialetos e crenças religiosas, parecia mais uma civilização inviável. Hoje está no topo do desenvolvimento industrial. É uma potência nuclear e um exemplo de desenvolvimento industrial em curto prazo. E não há “milagres” a registrar – pois eles não existem na história –, senão investimentos maciços e continuados em ciência e tecnologia, a que o país se dedicou no último decênio. A qualidade de sua classe dominante, vis a vis a nossa, faz diferença e também vai explicar o desenvolvimento da Coreia do Sul.

O tigre asiático é hoje um país altamente industrializado, e seu povo desfruta, de modo geral, de boas condições de vida. Mas há poucas décadas, ao fim da guerra de 1950-53 que o partiu ao meio, era um país devastado, contando algo contando milhões de vítimas do conflito fratricida. Atualmente, é o maior exportador de chips do mundo.

Na história não há “milagres econômicos”. Mas igualmente não há acaso, nem fenômeno sem causa. Anualmente, a Coreia do Sul forma 80 mil engenheiros (em uma população de cerca de 52 milhões), a Índia forma 200 mil e a China, aquele antigo país de camponeses até a segunda metade do século passado, forma 300 mil engenheiros. O Brasil, que nos anos 1940-50, na tradição do varguismo, investia em seu processo de industrialização, e que nos anos 1960 festejaria uma indústria automobilística que nunca veio a lume, forma apenas 20 mil engenheiros, em uma população  E, mercê dos governos que se seguiram ao golpe de 2016, padece a inexistência de estratégia tecnológica, de inteligência artificial, de biotecnologia e cibernética; no governo do capitão, que impôs dieta de recursos à universidade pública, cerrou as portas do único embrião que possuíamos para a fabricação de chips, também a única iniciativa conhecida na América do Sul.

As experiências de nossos países se encontraram nos idos de 1970. Quando a ditadura castrense cantava loas ao “milagre” dos números delfinianos, o então presidente da FINEP, José Pelúcio Ferreira, um homem honrado, recebeu uma comissão de altos dirigentes do governo e executivos sul-coreanos, que, projetando sua entrada na indústria automobilística, queriam conhecer a experiência brasileira. Após competente exposição de Pelúcio, os coreanos revelaram sua frustração, pois o projeto que os animava era, realmente, o de uma indústria automotiva nacional, e não, como se revelava o caso brasileiro, de um conjunto de montadoras estrangeiras de máquinas projetadas e produzidas no exterior. Este relato me foi passado pelo professor Wanderley de Souza, presente à citada reunião.

Ao final, passados cerca de 50 anos, o Brasil conhece apenas um número elevadíssimo de montadoras estrangeiras, inclusive sul-coreanas, e nenhuma marca nacional.

Em pouco mais de meio século a China, subdesenvolvida, país de camponeses, meio ambiente ingrato, entre geleiras e terras áridas, desindustrializada, devastada por guerras e invasões seculares, realizou, em ritmo de maratona, o percurso da pobreza aguda para a disputa da hegemonia política mundial, graças ao alto desenvolvimento científico. Essa China tampouco é fruto do desígnio de Deus, senão da perseverança de um projeto nacional, que, deitando raízes em 1949, seria formulado em 1975, por Deng Xiaoping: “A chave para conquistar a modernização é o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. E a menos que prestemos especial atenção na educação, será impossível desenvolver a ciência e a tecnologia”. Nenhum membro da classe dominante brasileira seria capaz dessa formulação, mas o projeto nela implícito fez com que a China superasse o que, naquela ocasião, o mesmo Xiaoping identificava como vinte anos de atraso em relação aos países desenvolvidos em ciência, tecnologia e educação. Hoje, a China é o maior centro científico-tecnológico do mundo e o maior exportador de manufaturados. Do Brasil importa grãos, carne e minério de ferro in natura que devolve como trilhos. Dela importamos quase tudo, mas principalmente produtos tecnológicos e automóveis, bem como fábricas de automóveis e caminhões. Os chineses prometem nos ceder a tecnologia dos motores elétricos, a país que não teve a competência de registrar uma só patente de motor a explosão, essa próxima relíquia tecnológica. É de suas bases, e com seus foguetes, que o Brasil, que não tem foguete nem base, esta cedida aos EUA, lança os poucos satélites da linha CBERS, fabricados com cessão de tecnologia chinesa, e sofrendo embargos do Departamento de Estado dos EUA.

Nosso atraso, porém, pode tornar-se irreversível. O Brasil pode, no futuro muito próximo, passar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação às mãos do Centrão, a choldra que exige o governo (e nele as verbas públicas) para permitir que o presidente eleito pela vontade popular possa governar.

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O IBGE tem novo presidente – Marcio Pochmann é um dos mais importantes pensadores brasileiros, na companhia de Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Melo, seus colegas no Instituto de Economia da Unicamp, e na missão de pensar o Brasil. Neste ponto palmilha os caminhos antes percorridos por Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares, ao associar a reflexão teórica à intervenção na vida pública – a missão do intelectual orgânico, na melhor tradição gramsciana é transformar o mundo, para melhorá-lo. Professor titular de Economia, pesquisador visitante em universidades da França, Itália e Inglaterra, articulista, conferencista de primeira água, foi Secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da cidade de São Paulo e presidente do IPEA, onde levou a cabo notável trabalho de reorganização institucional, após haver atuado na Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Para o conforto da inteligência brasileira, Pochmann foi nomeado presidente do IBGE. As críticas à sua nomeação, vindas de onde vêm, e nos termos em que são formuladas, mais justificam a escolha do presidente da República.

Um Banco contra o país – Cai a inflação, já vivemos em regime de deflação, mas o BC impõe o priapismo dos juros. Roberto Campos Neto apenas cumpre o mandato de seu DNA.

Nossas forças armadas – Desequipadas para suas funções, tanto do ponto de vista ideológico quanto tecnológico, 80% dos gastos militares de nossas forças são destinados a salários, aposentadorias e pensões.

Setenta anos de bravura – Cuba acaba de celebrar o 70º aniversário do assalto aos quarteis de Moncada e Céspedes, marco inaugural da revolução que triunfaria seis anos depois, derrotando a ditadura de Fulgêncio Batista, sustentada pelos EUA, e marcando para sempre a história mundial. O fracassado ataque, que custou prisão, tortura e morte a dezenas de guerrilheiros, vale uma reflexão sobre como, na roda do processo histórico, derrotas podem trazer, em seu bojo, o germe de vitórias futuras. E também o inverso: como interpretar, por exemplo, o êxito brasileiro em receber o aplauso de uma agência de risco do mercado financeiro? O que há de positivo, para a nossa coletividade, nas loas à autonomia do BC e às reformas trabalhistas e previdenciária que nos legaram Temer e Bolsonaro?

A pergunta que não pode calar: Quem mandou matar Marielle Franco, a vereadora que completaria 44 anos neste 27 de julho?

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*Com a colaboração de Pedro Amaral

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