MPT fiscaliza condições de trabalho após resgate de onze homens em regime de escravidão

Ambiente degradante, alimentação precária e servidão por dívidas foram algumas das irregularidades apuradas em janeiro – Foto: MPT/MS – Divulgação

Campo Grande (MS) – Representantes do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul, da Polícia Rodoviária Federal e da Superintendência Regional do Trabalho fiscalizaram nessa quarta-feira, 15 de março, as condições de trabalho oferecidas a um grupo de homens resgatados em situação análoga a de escravo.

A regularização do meio ambiente de trabalho foi pactuada em Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o proprietário das fazendas Aldeia e Segredo, localizadas nas proximidades do município de Bataguassu/MS.

Segundo o auditor fiscal Maurício Rocha Martinez, foram constatadas 21 irregularidades em janeiro, sendo que algumas persistem nesta segunda inspeção. “Houve melhoria na estrutura dos alojamentos, mas ainda são necessárias adequações principalmente no sistema elétrico, que apresenta partes energizadas expostas, e na ventilação dos quartos, agravada pelo clima quente da região”, exemplificou.

Maurício Martinez disse que o fazendeiro Adilton Boff Cardoso deverá interditar um dos alojamentos e comprovar a realização de treinamentos para manuseio de máquinas e de agrotóxicos. “A propriedade será multada pelas irregularidades encontradas e pela reincidência daquelas identificadas em janeiro”, resumiu. Uma nova audiência será agendada para formalizar a execução das multas.

A procuradora do Trabalho Cláudia Fernanda Noriler Silva, que participou da segunda inspeção, observa a importância de devolver a dignidade aos trabalhadores resgatados, criando condições de saúde e de segurança para o desempenho das atividades. “Se preocuparmos tão somente com o resgate, possivelmente esses indivíduos retornarão àquela situação subumana e indigna. Por isso, a necessidade de um monitoramento constante e da articulação conjunta com outras instituições”, ponderou.

Para o empregado José Genuíno Neto, que não era registrado, a situação melhorou muito desde a primeira fiscalização. “Antes, eu dormia no chão da cozinha e agora tenho uma cama para descansar”, lembrou.

Obrigações

Pelo TAC, Adilton Boff Cardoso comprometeu-se a efetuar o pagamento de verbas rescisórias para os trabalhadores dispensados sem justa causa, bem como de verbas salariais retroativas para os empregados que permaneceram na propriedade rural, que somam seis homens.

O acordo ainda prevê a anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social dos trabalhadores, fornecimento de alojamentos adequados, refeições, água potável e de equipamentos de proteção individual. Outros deveres, como a não intermediação de terceiros (empreiteiros, “gatos”) em atividades-fim, foram fixados no TAC.

O descumprimento de quaisquer dessas obrigações resultará na aplicação de multa diária de até R$ 5 mil por infração cometida, multiplicada pelo número de trabalhadores prejudicados.

Resgate

O flagrante ocorreu em 28 de janeiro, dia nacional de luta contra a escravidão. O grupo de onze homens trabalhava na construção de cercas e na limpeza de pastos, vivendo em um ambiente degradante, sem energia elétrica, que também abrigava galinhas, porcos, ratos e rações. Eles alimentavam-se de animais silvestres, compartilhavam vaso sanitário improvisado com madeira, bebiam água de uma lagoa com indícios de contaminação por esgoto e eram impedidos de saírem do local.

Os trabalhadores contaram, ainda, que foram recrutados em Bataguassu depois de receberam proposta de emprego digno e com direitos trabalhistas. O pagamento feito a eles funcionava da seguinte forma: recebiam em média R$ 30 por dia, que usavam para a compra de materiais básicos de alimentação e higiene, como papel, barbeador, sabão, todos comercializados pelo empreiteiro em valores superiores aos praticados por mercado próximo. As vítimas também informaram que os pagamentos das diárias eram feitos sob coação, com uso de arma de fogo.

Na época, os trabalhadores tiveram depoimentos colhidos e foram retirados das fazendas por policiais e auditores, sendo alojados em hotel de Bataguassu.

Dados da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho revelam que mais de 660 trabalhadores foram resgatados pelos grupos móveis em 2016. Entre os estados que mais libertaram trabalhadores em situação análoga à escravidão aparecem Minas Gerais, com 129 trabalhadores; Piauí, com 105; Pará, com 91; Mato Grosso do Sul, com 82; e Bahia, com 70.

Outro levantamento, realizado pela Pastoral da Terra, aponta que 46.177 mil trabalhadores foram libertados, entre 2003 e 2016, no Brasil; mais de 70% desse total, em atividades agropecuárias.

Perfil das vítimas

No Brasil, 95% das vítimas do trabalho escravo são homens. A maioria (83%) tem entre 18 e 44 anos de idade. A cada três trabalhadores explorados, um é analfabeto e 39% só chegaram até o ensino fundamental.

Fonte: MPT/MS

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