Inteligência Artificial na educação: estamos preparando as pessoas para usá-la de forma consciente?

Com a rápida inserção da IA nas escolas, especialistas defendem que formar usuários críticos e conscientes deve vir antes do uso massivo em sala de aula

Muito se fala em inovação tecnológica nas escolas, mas o uso da Inteligência Artificial na educação ainda não é uma realidade transformadora no Brasil. Pelo menos, não no sentido de algo implementado de forma abrangente e sistematizada. O que se vê são iniciativas pontuais, soluções isoladas e um grande desafio: o letramento digital. Saber usar a IA de forma ética, produtiva e eficiente exige muito mais do que acesso a ferramentas. Exige conhecimento, prática e consciência, algo ainda distante da maioria dos estudantes e professores.

Foto: Divulgação

Segundo o estudo Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil, publicado pelo Instituto Semesp em 2024, 74,8% dos docentes afirmam ser favoráveis ao uso da IA em sala de aula. No entanto, apenas 39,2% a utilizam com regularidade, o que revela um descompasso entre o interesse e a prática. Entre os principais obstáculos apontados na pesquisa estão a falta de infraestrutura – como internet adequada, e a ausência de formação especializada. Já o relatório do Banco Mundial, divulgado em 2025, destaca que a adoção da IA sem preparo adequado pode ampliar desigualdades educacionais, caso não seja acompanhada por políticas inclusivas, formação docente específica e definição clara dos objetivos pedagógicos.

É nesse contexto que Thais Pianucci, CEO da Start, uma das principais edtechs brasileiras voltadas à educação de -computação para o Ensino Fundamental e Médio, levanta uma bandeira clara: antes de usar a Inteligência Artificial, é preciso entender o que ela é, como funciona e quais são seus limites. Para Thais, o ponto de partida para qualquer aplicação da IA na educação deve ser o letramento, ou seja, ensinar os alunos a compreenderem o funcionamento, as possibilidades e os riscos dessa tecnologia antes de utilizá-la como ferramenta de estudo ou trabalho. “Estamos repetindo os erros cometidos com a chegada da internet há três décadas. A IA vai se tornar parte do dia a dia, como a rede mundial de computadores, mas, mais uma vez, estamos entregando uma ferramenta poderosa sem ensinar seu uso”, alerta.

A Start enxerga a tecnologia como uma ferramenta altamente potente, mas que se faz tão potente se ensinamos nossos alunos e alunas em como extrair toda essa potencialidade e defende que o domínio técnico e ético dessa tecnologia deve ser parte essencial da formação dos alunos. É imprescindível que o estudante compreenda conceitos como o que é um prompt — instrução em linguagem natural dada a um modelo de IA para gerar respostas ou executar tarefas —, além de entender por que a IA acerta ou erra, como interpreta perguntas e como é treinada a partir de dados. “Só com esse conhecimento é possível utilizar a IA de forma consciente, crítica e produtiva”, afirma a executiva.

Entre as iniciativas da empresa está a LURI, uma inteligência artificial que funciona quase como um tutor no processo do ensino-aprendizado – voltada ao Ensino Médio. Desenvolvida com base em conteúdo próprio da Start, a ferramenta permite que os alunos tirem dúvidas, testem códigos e recebam feedback em tempo real, uma forma de tornar o processo de aprendizagem mais interativo, seguro e autônomo.

Entre avanços pontuais e a ausência de diretrizes: o impasse da IA na educação 

Apesar de avanços localizados, como nos estados do Piauí e Paraná, que passaram a incluir a Inteligência Artificial nos currículos escolares, especialistas afirmam que o Brasil ainda está longe de uma implementação em larga escala. Pianucci, aponta a ausência de uma diretriz nacional como um dos principais entraves. “Falta integrar o tema de forma transversal ao currículo, com intencionalidade pedagógica e formação continuada. Precisamos de um esforço coordenado e permanente”, defende.

Ela compara o cenário brasileiro ao de países como a China, que já incorporaram a IA à política pública de educação básica, promovendo o letramento digital desde os primeiros anos escolares. No Brasil, segundo ela, a lacuna tem sido parcialmente preenchida por iniciativas do setor privado, especialmente edtechs, que oferecem soluções voltadas ao uso ético e produtivo da tecnologia. “Essas ferramentas apoiam o desenvolvimento de habilidades importantes, como personalização da aprendizagem, avaliação e construção de repertório, mas não substituem a estrutura que só uma política pública robusta pode oferecer.”

IA nas escolas: receios, responsabilidades e oportunidades 

O avanço da tecnologia nas escolas tem gerado dúvidas entre famílias, especialmente em razão do histórico recente com a internet. Thais relembra os primeiros anos da popularização da web, quando adolescentes navegavam por chats e fóruns sem qualquer orientação. “Com a internet, tivemos muitas conquistas, mas também muitas perdas. Desinformação, vícios, problemas sociais. Com a IA, temos uma chance de fazer diferente. Precisamos já falar de deepfake, cyberbullying, crimes digitais. Precisamos letrar e proteger desde o início”, alerta.

Esse letramento, segundo ela, deve ser o ponto de partida para qualquer iniciativa que envolva IA na educação. “Antes de entregar uma ferramenta poderosa, precisamos garantir que o estudante saiba usar e entenda até onde ela vai. Isso exige tempo curricular, projetos interdisciplinares, foco e intenção.” Para ela, formar usuários conscientes é tão importante quanto oferecer acesso à tecnologia.

A adoção da IA pode representar uma revolução silenciosa no ambiente escolar, desde que acompanhada de intencionalidade pedagógica, formação crítica e igualdade de acesso. As ferramentas já existem, mas o verdadeiro diferencial está no preparo humano: saber quando, como e por que utilizá-las. “Tecnologia boa é aquela que empodera e educa, e isso só acontece quando se ensina a usá-la com propósito e consciência”, conclui Pianucci.

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