Gregório Sem Fronteiras

Particularmente posso afirmar que a música é verdadeiramente a raiz da cultura. Tenho certeza que seria uma outra pessoa, se não houvesse crescido entre os acordes de violões e da sanfona, ou do ganzá e do surdo. Conhecer o dedilhar das melodias, os tons e suas estórias fazem aflorar a perspicácia e a resiliência.

Gregório – Foto: Acervo Pessoal

Mas justamente quando sabemos que Campo Grande é a capital do chamamé: vale uma explicação: tanto a polca paraguaia, a guarânia e o chamamé, são músicas de compasso 6/8, entretanto variam compasso e ritmo. Entrementes, como bom contador de estórias aproveito o ensejo e conto uma versão, que se refere a inesquecível “Mercedita”:

Eram idos de 1939, quando Ramon Sixto Rios, nascido na antiga cidade da Federación, no auge de seus 27 anos chegou para atuar em um grupo de teatro na Sarmiento Club em Humboldt. Nesta ocasião vislumbrou Mercedes Strickler Khalov, uma inesquecível loira de olhos azuis três anos mais jovem e que pela sua beleza e jovialidade já era conhecida como Merceditas. Camponesa, vivia em uma pousada no entorno da cidade, província de Santa Fé com a mãe e a irmã, já que seu pai havia falecido quando ela tinha tenra idade.

Evidentemente, Ramon, o violeiro ficou deslumbrado com uma garota de vestido branco a quem convidou a dançar. Não foi difícil brotar um sentimento. Rios teve que voltar às pressas para Buenos Aires, e continuaram se correspondendo por cartas. Seis meses depois voltou para propor casamento a Mercedes. Ela tinha a aprovação da família, mas não aceitou a proposta.

Alguns meses depois do rompimento ela estava em sua casa e ouvia pelo rádio um chamamé, quando algo lhe chamou a atenção. Percebeu que na letra da música havia frases que Ramon lhe dissera. A música tornou-se um sucesso e foi gravada inclusive por Cocomarola. “Y Amándola con loco amor
Así llegué a comprender Lo que es querer, lo que es sufrir
Porque le di mi corazón”.

O tempo passou, Rios casou-se com outra mulher, ficou viúvo e tempos depois voltou para realizar nova proposta à musa de sua canção mais célebre. Ela novamente disse não e vamos parar por aqui.  Rios faleceu em 25 de dezembro de 1994, quando ele tinha 81 anos. Seu último ato foi legar os direitos da canção. Mercedes faleceu aos 84 anos, no dia 8 de julho de 2001. Terminou seus dias solteira e sem filhos, numa sala de oncologia do hospital “Esperanza de Santa Fé”, na Argentina. A história de encontros e desencontros deixou o sabor amargo do amor que não se fez … mas deixou a certeza do verdadeiro amor e um eterno encanto no ar.

E por falar em legado quero ressaltar um nome, sinônimo de tradição cultural e luta por um ideal, pude rever e abraçar Ilton Gregório de Jesus, neste fim de semana, a caminho de um show no município de Miranda e ele me contando que apesar dos percalços que a vida oferece me ensinou em sua breve fala: “Nada na vida é conquistado do dia para a noite.  Tudo vem como se fosse uma caminhada e se desistirmos no primeiro obstáculo, não chegaremos a lugar algum. Precisamos insistir e perseverar” -asseverava. E assim este exemplo de humildade como artista, resume a trajetória do inigualável Gregório, que foi laureado em 2023 com a medalha Arara Azul “Tom do Pantanal”. Tome este artigo como homenagem para que continue tocando o amor em notas melodiosas, porque nós que damos valor a vida e somos apaixonados pelo tereré, pela mulher que escolhemos como musa, pela música tradicional do nosso Estado e decididamente amantes do chamamé; temos certeza que “Mborayhu há nandejara rovasa peême guará” ou, simplesmente, “O amor é a benção de Deus sobre nós”. Vida longa à Gregório.

*Articulista

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