
Edgar Pinto (Eddie) – Foto: Divulgação
A trajetória de Eddie, nome artístico do português Edgar Pinto, tem sido marcada por um percurso consistente entre Portugal, Espanha, a Lusofonia e a América Latina. Cantautor, produtor musical e membro votante da Recording Academy e da Latin Recording Academy, integra ainda a Academia de la Música de España e a Sociedade Portuguesa de Autores. Com mais de 20 anos de carreira, construiu um caminho que o posiciona como artista ibérico de raízes lusófonas e afinidade latino-americana, identidade reforçada pela criação da EP-Produções Musicais, em 2006, estúdios que receberam nomes como Prince, Ivan Lins, Madredeus, Mariza, Rodrigo Leão, Anna Maria Jopek, Camané, Paulo de Carvalho, Sara Tavares e Tito Paris. A música acompanha-o desde sempre e tornou-se o território onde compõe, produz e interpreta as próprias histórias, num cruzamento que absorve influências ibéricas, afro-lusófonas e latino-americanas, sempre guiado pelo princípio de seguir o que sente e o que a música lhe pede.
O percurso recente consolidou um reconhecimento internacional crescente, com distinções em Los Angeles, Nova Iorque, Miami, Madrid e Hollywood, além do convite para integrar o GRAMMY U Mentorship Program em 2025, apoiando jovens talentos no Florida Chapter da Recording Academy. Passagens por Cabo Verde, Angola e Macau, bem como o eco da sua obra em rádios de São Tomé e Príncipe e Moçambique, reforçaram uma convivência natural com a diáspora que moldou o modo como sente ritmo, palavra e expressão. Com o novo álbum Todo a Su Tiempo, gravado entre Lisboa, Madrid, Andaluzia e Los Angeles, e com uma deslocação ao Brasil prevista para 2026, Eddie entra numa fase em que procura aprofundar a presença nos meios lusófonos, espanhóis e latino-americanos, num momento em que a música brasileira faz parte do quotidiano português e em que o diálogo entre mercados se intensifica. Em entrevista à nossa reportagem, Eddie mergulha neste universo criativo feito de fronteiras que se cruzam e de uma expressão que nasce de uma necessidade permanente de dizer e de construir pontes.

Eddie em Viena, na Áustria – Foto: Divulgação
Quais as suas influências musicais na América Latina?
A música latino-americana sempre me interessou pela forma como cruza história, identidade e modernidade. Gosto de partir das raízes, como o son cubano, a cumbia original e ritmos andinos como o huayno, porque trazem essa mistura de influências afro-indígenas e europeias que marcou profundamente o continente. Depois há linguagens muito próprias de cada região: o mariachi no México, o merengue e a bachata nas Caraíbas ou o tango no Cone Sul, sobretudo na Argentina e no Uruguai. Sempre olhei para estes estilos pela construção, harmonia e pela forma como se tornaram verdadeiras assinaturas culturais. Interessa-me também o que hoje é praticamente pan-latino, ritmos que já não pertencem a um só país. A cumbia moderna é um bom exemplo: nasceu na Colômbia, mas vive no México, na Argentina e no Chile. A salsa segue um percurso semelhante entre Cuba, Porto Rico e Nova Iorque. E acompanho as fusões atuais. O reggaeton e o dembow, com o dembow entendido como o padrão rítmico dominicano que sustenta grande parte do reggaeton moderno, os corridos tumbados e toda a estética urbano-latina. Gosto de perceber como estes estilos absorvem influências afro-caribenhas, eletrónicas e pop inspira a minha própria linguagem musical.
O que motiva a sua carreira?
A música acompanha-me desde sempre. Não é uma motivação exterior, faz parte da forma como existo e interpreto o mundo. Sempre senti a necessidade de transformar o que vivo em algo que pudesse ser partilhado. Gosto de trabalhar todas as dimensões da criação: a palavra, a melodia, a harmonia, a produção e a estética visual. A escrita é onde procuro verdade, a produção é onde desenho o meu universo sonoro e o palco é onde encontro o outro. Valorizo muito o diálogo com outros artistas, por isso as colaborações têm um papel especial no meu percurso. A música também traz clareza e ilumina. Dá-me liberdade para dizer coisas que talvez não dissesse noutros contextos. Canções como “Outra Noite de Solidão”, “Tempo” ou “Oração” nasceram desse lugar. Uma canção pode ajudar alguém a atravessar um momento ou simplesmente a sentir- se acompanhado. Essa utilidade emocional dá sentido ao meu caminho e reforça a vontade de continuar a criar com verdade. No fundo, o que me move é esta necessidade de expressão, de autenticidade e de diálogo honesto entre o que sou e quem me ouve.

Eddie RTP Porto – Foto: Divulgação
Por que essa paixão pelos países latinos?
A minha ligação ao universo latino-americano começou pelas pessoas. Sempre senti familiaridade na forma como comunicam, sentem e transformam a vida em expressão. Acredito que viver entre Portugal e Espanha tornou esta proximidade natural. Em Madrid sente-se diariamente a presença da América Latina. Essa cultura foi entrando em mim: nas ruas, nos bares e restaurantes onde a música latina faz parte do ambiente, em clubes, concertos e festivais, nas conversas e nas amizades que fui construindo ao longo dos anos. Essa convivência marcou-me e tornou estes universos uma parte real da minha vida. A música acabou por ser a continuação dessa vivência. Tenho afinidade pela diversidade e pela forma como cada país transforma a sua identidade em som. Quanto mais conheço estes universos, mais identifico pontos de encontro com aquilo que procuro artisticamente. Estive no México e mantenho contacto regular com o universo latino através da “Latin Recording Academy” e da “Recording Academy”. Tenho recebido convites para regressar ao México e para visitar países como a Colômbia, Argentina e Porto Rico. No próximo ano, além do Brasil, voltarei ao México e passarei por Miami para avançar colaborações que já estão em desenvolvimento. Esta relação foi crescendo e tornou-se uma parte sólida do meu percurso.
Quando falamos em artistas ou cantores portugueses pensamos logo no fado ou noutras denominações. Que estilo é mais característico na tua carreira e porque seguiste por esse caminho?
Quando se fala em artista português fora de Portugal é natural que muitos pensem primeiro no fado. Respeito profundamente essa tradição e ela faz parte da minha história. O mesmo acontece com o cante alentejano e com o universo musical andaluz. Tudo isso marcou a minha infância no Alentejo e acompanha-me até hoje, mesmo quando não é o meu ponto de partida. Já integrei elementos do fado na canção “A Luz Dentro de Mim”, com Cristiana Águas e guitarra portuguesa. A afinidade com a sonoridade andaluza levou-me a gravar “El Otro Lado de Mí”. E tenho ainda uma canção inspirada no cante em pré-produção. A minha identidade vive no cruzamento, não numa fronteira. A diversidade sempre esteve presente na minha vida. Os meus avós maternos viveram quatro décadas em Moçambique, tenho família moçambicana, família que viveu em França e na Suíça, muitos amigos de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Macau e Brasil, e a minha mulher nasceu em Angola. Essa convivência natural com a diáspora moldou a forma como sinto ritmo, palavra e expressão. Por isso, não me vejo como cantor de um género específico. Sou produtor e cantautor multicriativo, alguém que compõe, produz e interpreta as suas próprias histórias. Diria que sou um artista ibérico com raízes lusófonas e afinidade latino-americana.

Eddie, recebendo prêmios Latinos em Madrid, na Espanha – Foto: Divulgação
Que projetos tem pela frente?
Nos próximos meses quero aprofundar o percurso que tenho vindo a construir entre Portugal, Espanha, Lusofonia, América Latina e nas comunidades portuguesas no mundo. Tenho novas músicas em andamento, algumas colaborações já alinhadas com artistas destes universos e a continuação da apresentação do meu álbum “Todo a Su Tiempo”. Estou a reformular o meu espetáculo, aproximando-o da minha identidade atual, e a preparar o lançamento de “Sueño”, um single com uma ligação forte à Andaluzia que dá continuidade à estética que iniciei em “El Otro Lado de Mí”. Em 2026 regressarei ao México, passarei por Miami para avançar colaborações e terei também uma fase importante no Brasil. Será igualmente o meu quarto ano ligado à Academia Latina de Gravação e quero aprofundar a relação com a Recording Academy, dando continuidade ao trabalho que tenho vindo a desenvolver. Paralelamente, estou a estruturar novas edições dos meus programas de mentoria e formação avançada para artistas e criadores que procuram desenvolver identidade, direção artística, escrita, produção e estratégia internacional. O meu papel recente como mentor no GRAMMY U ajudou a consolidar esta área. Quero continuar a reforçar a minha presença nos meios lusófonos, espanhóis e latino-americanos. Há uma abertura real para o que faço e isso dá espaço para narrativas mais profundas e para deixar a música crescer com liberdade. O objetivo é simples: continuar a criar, surpreender e permitir que esta etapa chegue a quem me acompanha da forma mais honesta possível.
Em que trabalhos está focado neste momento?
Neste momento, grande parte da minha energia está centrada no estúdio. Tenho várias músicas em fases diferentes e gosto de dar tempo ao processo até que cada canção encontre a sua verdade. Paralelamente, estou a desenvolver o conceito do videoclip de “Sueño”, que aprofunda a estética que iniciei com “El Otro Lado de Mí” e reforça a ligação natural ao universo andaluz. Há um lado visual e emocional que estou a trabalhar com cuidado. Ao mesmo tempo, há um trabalho discreto, mas decisivo, a acontecer nos bastidores: reuniões de planeamento, decisões estratégicas, coordenação criativa com equipas em Portugal, Espanha, na Lusofonia e na América Latina, além de algumas parcerias que estão a ganhar forma e que, para já, ainda não posso revelar. No fundo, estou a preparar terreno. Quando tudo chegar ao público, seja música, espetáculo, colaborações ou os próximos capítulos, acredito que vai fazer sentido com verdade, direção e consistência.
Como foi estar presente nos Latin Grammy em Las Vegas?
Estar nos Latin GRAMMYs foi muito especial e um dos pontos altos do ano. É a semana mais importante da música latina e vive-se tudo com uma intensidade própria. Respira-se música, criatividade e um espírito de comunidade único, onde circulam profissionais de toda a indústria. Encontram-se artistas, produtores, músicos, gestores, promotores e criadores de vários pontos do mundo. Para mim, que navego nesse encontro entre Portugal, Espanha, a lusofonia e o universo latino-americano, estar ali faz todo o sentido. Há também a dimensão do evento em si, com uma produção impecável e cuidada ao detalhe, que celebra tanto a inovação e as novas tendências como as linguagens que carregam história e identidade. Da homenagem à Personalidade do Ano, passando pela Premiere e pela gala principal, até à after-party, tudo contribui para uma atmosfera mágica, onde nascem conversas, afinidades e ligações que só ali acontecem. Sentir o evento ao vivo e observar o impacto das diferentes propostas artísticas é muito enriquecedor. Dá contexto, amplia a visão e reforça a importância de manter um caminho pessoal com identidade. São momentos que alimentam a criatividade e funcionam como um barómetro natural da música atual. Volto sempre dessas viagens com uma energia renovada e com a sensação clara de que há espaço real para aprofundar esta ligação entre universos. É um privilégio fazer parte desta família global e, ao mesmo tempo, um impulso para continuar a trabalhar com verdade e consistência.
Como avalia a música entre o Brasil e Portugal?
A relação musical entre o Brasil e Portugal é antiga, viva e cheia de movimento, mas continua marcada por uma forte assimetria. O Brasil é hoje um dos mercados que mais crescem no mundo, com o streaming a dominar praticamente tudo. Portugal, apesar de ser um mercado menor, tem avançado de forma consistente e adotou o digital com bastante rapidez. Este contexto acabou por abrir um terreno novo, mais interligado e com mais pontos de encontro. Na prática, o fluxo Brasil-Portugal é o mais evidente. A música brasileira faz parte do quotidiano português: das rádios aos bares, dos concertos aos festivais. Há circuitos estáveis de samba, MPB e forró em Lisboa e no Porto. O público português reconhece estas linguagens com naturalidade, pela língua e pela história que partilhamos. O caminho inverso, Portugal-Brasil, ainda é estreito, mas começa a ganhar alguma tração. Já há artistas portugueses a surgir em playlists brasileiras e colaborações nas áreas pop, urbana e eletrónica. O fado continua a ser a porta de entrada para muitos brasileiros, mas já não é a única referência. A Lusofonia tem aqui um papel essencial. Angola, Cabo Verde e Moçambique aproximam Portugal e Brasil há décadas e Lisboa tornou-se um ponto de encontro natural onde África, Brasil e Portugal convivem diariamente. Essa mistura influencia a forma como criamos e consumimos música e abriu novas possibilidades de diálogo entre estes universos. No conjunto, existe uma relação viva e em transformação. A influência brasileira em Portugal continua maior, mas a troca tende a tornar-se mais equilibrada com a digitalização e as colaborações. É uma relação em evolução, com muito por descobrir dos dois lados.

Eddie Gala Radiolé – Foto: Divulgação
E como enxerga o mercado musical no Brasil e na América do Sul? O que mais chama a atenção?
O mercado musical no Brasil e na América do Sul atravessa um momento particularmente forte. A região tornou-se uma das que mais crescem no mundo em música gravada, impulsionada pelo consumo digital. O streaming passou a ser o principal motor de circulação. No Brasil, a dimensão populacional e a diversidade de géneros com impacto comercial criam um mercado interno impressionante. Sertanejo, funk, pagode, pop ou MPB convivem e conseguem alcançar audiências massivas dentro do próprio país. Quando uma música explode, atinge milhões em pouco tempo. Na América do Sul, países como Argentina, Chile e Colômbia também apresentam mercados estáveis e profissionalizados, impulsionados por uma população jovem e altamente conectada. Géneros como a cumbia contemporânea, o pop argentino ou o reggaeton colombiano têm ganho projeção. Há um ponto que vários relatórios sublinham: a capacidade destes mercados renovarem tradições e projetá-las para o universo latino mais amplo. O que mais me chama a atenção é a vitalidade criativa destes países. Há identidade, risco, mistura e um público que consome música com intensidade e curiosidade. No conjunto, o que se vê é um ecossistema vibrante, digitalizado e em crescimento contínuo, com uma circulação interna muito maior do que há uma década.
Quem é hoje artisticamente o Eddie?
Quando penso no que sou hoje como artista, vejo um percurso feito de camadas ao longo dos anos, fruto de trabalho contínuo e curiosidade real. Sou produtor e cantautor multicriativo, alguém que compõe, produz e interpreta as suas próprias histórias. A minha expressão nasce naturalmente do encontro entre Portugal, Espanha, a Lusofonia e a América Latina. Vejo-me como alguém que constrói pontes. Crio com liberdade e sigo a intuição, procurando sempre equilíbrio entre a verdade de cada canção e aquilo que faz sentido para os meus álbuns e concertos. O trabalho em estúdio, as colaborações e o contacto com diferentes realidades deram-me uma visão mais ampla sobre música. A produção ensinou-me como diferentes linguagens podem conversar e reforçar-se mutuamente. Cada estética tem o seu espaço. O acústico, o pop, o urbano ou a eletrónica convivem naturalmente com momentos mais poéticos, introspectivos ou de raiz, como influências do fado, do flamenco e de outras expressões que fazem parte da minha identidade. Como produtor, procuro perceber como cada cor sonora serve uma emoção; como cantautor, transformo essa emoção em narrativa. Em palco, acredito que essa diversidade é essencial, porque diferentes atmosferas constroem uma mesma história. Hoje vejo-me como um artista ibérico com raízes lusófonas e afinidade latino-americana.










