Os transtornos de uma mente brilhante: Fabiano de Abreu conta em entrevista sobre os transtornos de uma pessoa com alto QI

Filósofo Fabiano de Abreu – Foto: Pixabay / MF Press Global

Em relação às pessoas que alcançam altas pontuações em testes de inteligência os testes de QI, a expectativa de grande parte da sociedade é que estas tenham mais sucesso acadêmico, profissional e na vida. No entanto, a realidade pode ser muito diferente e estudos apontam que o fato de ter uma percepção do mundo maior e diferenciada não é sempre sinônimo de vantagem. Nem tudo são flores no universo dos que tem inteligência acima da média. Segundo os mais recentes estudos, os chamados superdotados sofrem de transtornos diversos como depressão, dificuldades de relacionamento e crises de ansiedade.

O filósofo e escritor Fabiano de Abreu é membro da Mensa, uma sociedade de alto QI e tem o QI dentre os mais altos do mundo, equivalente a 99% de percentil, ou algo como acima de 180 na antiga medida de inteligência. A Mensa exige como prerrogativa para filiação que seus membros tenham um QI equivalente a uma parcela muito pequena da população mundial, os chamados 2%. Para a maioria dos testes de inteligência antigos, isso corresponde a um QI de cerca de 132 ou mais. (O QI médio da população em geral é 100). A má notícia é que em um estudo recém publicado na revista Intelligence, a pesquisadora Ruth Karpinski, da Pitzer College, feita com os membros altamente inteligentes da Mensa, descobriu que eles eram mais propensos a sofrer de uma gama de sérios transtornos. E Fabiano não está isento disto.

Na sua opinião, ser inteligente é uma benção ou uma maldição?

Tem um lado bom e um ruim. O lado bom é a facilidade pra resolver certas situações e o lado ruim é enxergar a verdadeira situação. O maior problema é que, se for pra colocar na balança e colocar um denominador de busca na vida, que é a felicidade, eu acredito que seja mais ruim do que bom. Quando temos uma percepção estritamente racional sobre as situações da vida as decepções são maiores do que os contentamentos. Às vezes, como a maioria não tem essa mesma percepção, isto coloca aquelas pessoas em um universo próprio dentro do que acreditam, indo buscar conforto naquilo que lhes proporcione momentos felizes e acreditar no que lhes faça bem.

Pessoas inteligentes tendem a não acreditar, a não ter fé no outro?

Em sua grande maioria sim. Minha experiência mostra que pessoas inteligentes em geral costumam ser muito céticas e precisam de fatos para demonstrar alguma fé. No entanto, não estou dizendo isso baseado em estudos, mas sim na minha experiência. No meu caso, isso não quer dizer que eu não acredite nas pessoas, pelo contrário. Confio em todos até que me provem ao contrário. Eu a princípio não tenho reservas ou medo de estar com as pessoas, mas se elas me provarem ao contrário, de que não merecem minha confiança, então eu não me relaciono mais.

Filósofo Fabiano de Abreu – Foto: Pixabay / MF Press Global

No convívio social, quais são as desvantagens da inteligência acima da média? 

Eu tive muitos problemas em relação a ser sociável na infância. Eu não falava com as pessoas, eu só as observava. Com o tempo eu tive a consciência que isso ia me atrapalhar na vida e me doutrinei para mudar. Era um misto de vergonha com introspecção e do fato de eu estar preocupado em como iriam me ver, a imagem que teriam de mim, se iriam rir ou falar algo pra me depreciar. Então eu me trancava no meu mundo e buscava algum conforto. Hoje por causa da minha profissão eu sou mais sociável. Eu aprendi a gostar de interagir com as pessoas, mas ainda tenho meu lado envergonhado e a preocupação com o que possam achar de mim. A depender do dia e do nível de ansiedade em que eu me encontre, eu posso ter um pouco de paranóia ao estar em locais públicos com muita gente. Eu posso, de repente, começar a ficar preocupado com o que devem estar pensando de mim e se estou sendo observado, como se minha mente se abrisse de uma forma que me fizesse escutar e perceber tudo e todos que estão ao redor. Se tiver uma pessoa falando de mim eu vou perceber e sem explicação alguma pode me faltar ar e eu ter uma crise de ansiedade, ter vontade de ir embora, e aí eu preciso sentir na pele ar frio pra me acalmar. Eu não gosto de ser observado e de saber que tem alguém me analisando, o que é curioso e um pouco egoísta da minha parte já que eu observo e analiso a todos ao meu redor. Eu gosto de brincar, de manipular e de testar as pessoas o tempo todo, me fazendo de desentendido só pra analisar as reações, mas eu não gosto que façam isso comigo. Eu não quero, no entanto, ser visto como um extraterrestre.

Você se considera uma pessoa depressiva por consequência de ter um alto QI? Em que momentos isto pode se manifestar?

Inteligência nao define felicidade. Eu achei que eu tinha depressão, mas minha psicóloga diagnosticou que na verdade o que tenho são oscilações devido a minha grande ansiedade. Eu mudo de humor muito facilmente e oscilo muito entre extremos. Às vezes isto se manifesta à noite, ao acordar ou começa com uma simples percepção de algo que nao me agrada. As pequenas coisas me derrubam muito. Eu faço sim tempestade em copo d’água sim e sou muito reativo. Posso ser um pouco extremo e explosivo às vezes, mas vejo isso como algo que tem mais a ver com a minha personalidade e herança genética do que com a inteligência.

A pesquisa realizada aponta que muitos membros da Mensa sofrem de bipolaridade e distúrbios obsessivos compulsivos. Você acha que isso se aplica no seu caso também?

Completamente. Eu sou bipolar e tenho vários distúrbios adicionais. Sou obsessivo com algumas coisas. Quando eu ponho uma meta na cabeça eu não desisto daquilo eu vou até as últimas consequências. É mais do que uma mera perseverança, é sim obsessivo. Sempre fui assim desde muito novo. Quando percebi que eu não era normal em relação aos demais muita coisa passou a fazer sentido. Até uma certa idade eu achava que todos eram iguais em capacidade, percepção e inteligência. Eu me percebi ‘o diferente’, como uma pessoa “fora da casinha” por causa dos meus amigos, que diziam que eu não era normal devido aos meus comportamentos, que na opinião deles eram diferentes da normalidade.

Foto: Pixabay / MF Press Global

Pessoas inteligentes tendem a sofrer de estresse. Isso se aplica a você? Em que situações sente-se mais estressado?

Tudo me estressa. Absolutamente tudo. A todo momento estou estressado pelos mais diversos motivos, mas tenho um auto controle de modo a não deixar que isto transpareça muito, até porque eu me preocupo com a imagem que as outras pessoas vão ter de mim.

Pessoas que apresentam alguma dificuldade intelectual te aborrecem de algum modo? Como você lida com pessoas que tem QI mais baixo que o seu, no caso, os 98% restantes da população, segundo os critérios dos testes de admissão da Mensa.

Eu não me estresso com pessoas de QI mais baixo, não me sinto melhor do que elas, mas eu corto vínculos com pessoas que tem preguiça de aprender ou de buscar aperfeiçoamento. Eu gosto de criar vínculos com pessoas que se interessam em aprender, assim como eu. Se a pessoa não gosta de aprender e não tem conhecimento sobre assunto nenhum então não tem como haver diálogo, e se não há dialogo logo não tem convívio. Ao contrário do que alguns dizem eu não acredito que existam pessoas ditas burras e sou totalmente contra o uso dessa terminologia. Na minha concepção, existem sim pessoas que se desenvolvem menos, além de devido às suas respectivas trajetórias de vida adquirirem menos conhecimento. Existem sim pessoas com inteligência lógica maior do que as outras, o que não impede que pessoas com QI mais baixo tenham grande conhecimento. Existem pessoas que tem alto QI e não tem nenhum conhecimento. Por exemplo, vamos supor que você seja uma pessoa de alto QI mas sem estudo formal e por isso desconhece determinada fórmula para resolução de um problema. Aí vem alguém com um QI abaixo do seu que conhece aquela fórmula que você precisa, e ri da sua cara porque você, o dito inteligente, não sabe. A verdade é que conhecimento e QI são coisas distintas.

A inteligência acima da média pode ser também sinônimo de arrogância? Você se considera arrogante?

Eu conheço pessoas que são intelectuais e infelizmente são arrogantes pelo fato de ter a consciência disso. Mas isso foge do princípio de ser inteligente. É uma atitude inteligente não ser arrogante. Você conquista muito mais na vida com uma postura de humildade do que com a arrogância. Não ser arrogante pra mim é uma jogada inteligente. Talvez alguém diga que a pessoa que é naturalmente arrogante não conseguirá disfarçar isto e assim o cognitivo alheio vai perceber, mas pra mim a inteligência também tem a ver com manipular aquilo que ela quer transparecer, aquilo que ela quer que as pessoas saibam. Eu posso ser visto como um arrogante no sentido de não algumas vezes paciência, de ser direto. Então a minha forma de falar, muito pragmática, pode soar arrogante, mas tem a ver com costumes e com meu contexto cultural. Cresci em uma familia portuguesa que sempre se expressou de uma forma direta, sem rodeios, e isso pode ser confundido com arrogância sim.

Pessoas com QI acima da média tendem a ser manipulador?

Eu acredito que sim, no objetivo de alcançar seus próprios interesses. A pessoa com QI acima da média pode ser uma maquina de manipulação fazer isso de modo que poucos percebam, com uma quase perfeição na arte de manipular. Esta característica pode ser usada tanto para o bem como para o mal. Minha vida inteira é um jogo e a manipulação já vem desde sempre, mas nunca pelo lado mal, e sim para a felicidade alheia, que me satisfaz e me contamina. Eu tenho algumas convicções e uma delas é que é bom ter pessoas que estão bem ao teu lado e isso também vai te faz bem. Manipulo sim, o tempo todo, mas no intuito de extrair o melhor das pessoas ao meu redor. Quero bem a todos e tento fazê-los enxergar aquilo que eu enxergo sobre elas.

Você não acha que, após terem a percepção de que pessoas de alto QI tem a tendência manipuladora, as pessoas podem ter medo de se aproximar de pessoas inteligentes para não serem manipuladas, ainda que seja alegadamente para o bem delas?

É uma boa pergunta, porque pensei nisso enquanto respondia à pergunta anterior. É compreensível, mas eu acredito que não há o que temer. Isso me faz lembrar de quando divulguei os resultados do meu teste de QI, o que surpreendentemente me prejudicou muito. Eu deixei isso acontecer para divulgar a Mensa e incentivar pessoas a fazerem o teste e assim a Mensa crescer em número de filiações, mas sim isso pode causar o efeito reverso nas pessoas de certa repulsa, e eu não sabia disso. Recebi muitas cobranças do tipo “tão inteligente e nada fez pra mudar o mundo”, e declarações deste tipo. Revelar o resultado do teste me trouxe muitas mensagens de ódio também, dos chamados haters na internet. Quanto à manipulação que me referia, isso nem sempre significa algo tão sinistro, e geralmente não é. Isso pode ser simplesmente saber como fazer com que as pessoas gostem de você, saber como agradar aos outros e conquistar assim a simpatia dos outros. A manipulação pode ser a partir da observação e análise saber o que dizer e como estar e tudo isso é para o lado bom. No meu caso, eu sou uma pessoa independente e não preciso nem quero prejudicar aos demais e nem fazer as pessoas de fantoche, isso não existe. Quem é realmente inteligente precisa perceber que é possível se dar bem sem prejudicar aos demais e que pessoas inteligentes tem capacidade para isso.

Você acredita que o fato de ter uma mente inquieta afeta a sua saúde 

Sim. Com certeza. Por causa da minha mente inquieta às vezes fico sobrecarregado e por isso se manifestam no meu corpo sintomas como pressão baixa, falta de ar, insônia, enjoos e até desmaios. Tudo isso acontece quando os transtornos vêm e estão ligado à minha ansiedade, que pode ter a ver com a inteligência sim. É uma questão muito abrangente mesmo, demanda mais estudos, mas sinto sim que isso me prejudica.

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