No Dia do Samba, amor pela arte inspira gerações e mantêm viva tradição em Mato Grosso do Sul

Artistas do Estado refletem sobre memória, legado e resistência de uma cultura que atravessa famílias e molda identidades

No Brasil inteiro, o mês de dezembro carrega um compasso especial. O Dia Nacional do Samba, celebrado nesta terça (2/12), reafirma o ritmo – que congrega música, dança e paixão popular – como expressão cultural estruturante do país. Mas, longe do eixo Rio–São Paulo–Bahia, o samba encontrou em Mato Grosso do Sul um terreno fértil, afetivo e comunitário.

Aqui, o ritmo se entrelaça com histórias de vida, tradições familiares e transformações culturais que atravessam gerações. O samba sul-mato-grossense pulsa não apenas nas quadras das escolas, mas também nos quintais, nos bairros e nas rodas. Em Campo Grande, já na década de 1920, os primeiros blocos celebravam o Carnaval ao som do repique e com o ginga nos pés.

Ariadne – Crédito: Divulgação

Um legado que nasce na bateria

Entre os guardiões dessa história está Wlauer Carvalho, mestre de bateria da Unidos da Vila Carvalho, uma das escolas mais tradicionais de Campo Grande. Ele não apenas cresceu dentro do samba — foi literalmente criado dentro da quadra.

Sou nascido dentro da escola de samba. Acompanhei meu pai desde pequeno na luta para não deixar o samba morrer”, relembra. “Entrei na bateria aos 15 anos. Hoje, com 51, são 36 anos como mestre”. Para ele, uma bateria é muito mais do que o coração do desfile: é uma verdadeira sala de aula, um espaço de formação musical e humana.

A Vila Carvalho, fundada em 1969, é também pioneira na celebração do Dia Nacional do Samba em Campo Grande. Este ano, a festa na quadra será no dia 5 de dezembro, em mais um encontro de gerações que mantém vivo o movimento.

Para Wlauer, a prática cotidiana ainda é o grande diferencial dos sambistas formados em escola de samba. “Costumo dizer aos mais novos que vivência é crucial. A internet ajuda, mas nada substitui o dia a dia na quadra. Muitos músicos de destaque passaram pela bateria. A escola de samba forma ouvido, disciplina e musicalidade”.

Som da Concha traz Sampri e LLez – Crédito: Divulgação

Mulheres que ressignificam o samba

Se a tradição nascida nas baterias é essencial, o protagonismo feminino tornou-se, nos últimos anos, um dos pilares mais vibrantes do samba no Estado. Grupos como Sampri e Mistura das Minas mostram que a cena está cada vez mais plural e potente.

Luana, Luciana e Fernanda Thomaz — as irmãs Sampri — cresceram em Campo Grande ouvindo cavaquinho, pandeiro e as vozes dos pioneiros do samba local. Desde 2002, elas transformam essa herança em música.

Somos mulheres pioneiras no samba de Mato Grosso do Sul enquanto intérpretes, instrumentistas e compositoras”, explica Luciana de Lima Thomaz. “Vivenciamos a filosofia do samba. Pesquisamos repertórios, valorizamos autores pouco conhecidos, cuidamos do figurino. Nosso trabalho é resistência e profissionalismo”.

Na linguagem do sambista, costumamos dizer que respeitamos o número baixo (expressão usada para indicar os primeiros a desbravar a cena). Aqui em Campo Grande crescemos assistindo Bibi do Cavaco, Luiz Café, o saudoso Toniquinho, Niltinho Marrom, a cantora Juci Ibanez, nossa primeira referência de mulher no samba aqui. Máximo respeito a esses pioneiros”, avalia Luciana.

Carnaval em Corumbá (MS) em 2020 – Foto: Silvio de Andrade

Para elas, o crescimento do samba em Campo Grande é fruto direto dessas raízes profundas.

No coletivo Mistura das Minas, o samba encontra vozes que atravessam não só estilos, mas gerações e geografias. A carioca Ariadne Farinéa, criada em Campo Grande, divide com as integrantes Erika Jarssen e Luana Aguilar uma trajetória profundamente ligada ao samba.

O samba permeia nossas vidas desde a infância”, conta Ariadne. “Minha família participou da história da Estácio de Sá. Minha mãe foi passista. Cresci frequentando rodas de samba e, mais tarde, atuei como intérprete na Igrejinha”.

Erika, filha do intérprete Antônio Pacheco, também cresceu entre ensaios, quadras e rodas. Hoje, é diretora da ala de caixa da bateria da Igrejinha, uma escola histórica de Campo Grande. Luana, por sua vez, desfilou desde criança e hoje é diretora de ala de chocalhos — mais uma mulher comandando espaços que antes eram majoritariamente masculinos.

Nos unimos porque acreditamos no samba interpretado por mulheres”, afirma Ariadne. “Queremos que a música alcance todos os cantos da cidade. Quanto maior a diversidade, mais forte é a cultura”.

Entre tradição e futuro: o samba como identidade sul-mato-grossense

A força do samba vem de sua capacidade de cruzar tempos: o passado dos blocos e escolas pioneiras, o presente das rodas e coletivos e o futuro das crianças que aprendem percussão nas escolinhas de bateria. É um movimento que honra a ancestralidade negra e, ao mesmo tempo, constrói um caminho plural, onde diferentes vozes e linguagens coexistem.

A data que celebra esta tradição ganhou força nacional a partir do I Congresso Nacional do Samba, realizado em 1962, no Rio de Janeiro, e reafirmada com a Carta do Samba — documento que reconhecia oficialmente o ritmo. Em 2023, a importância das escolas de samba foi novamente reconhecida com a Lei 14.567, que as estabelece como manifestações da cultura nacional.

Em Mato Grosso do Sul essa continuidade é vivida com intensidade. Seja no exemplar desfile das escolas de samba de Corumbá, nas quadras da Vila Carvalho ou da Igrejinha e demais agremiações de Campo Grande, nas rodas de bar, nas pesquisas de repertório dos grupos femininos, o samba segue vivo — pulsante, afetivo, coletivo.

O samba sempre esteve nas comunidades e periferias. Agora expandimos nossos horizontes. A cultura se constrói na diversidade” resume Ariadne.

Samba e suas expressões

Um estilo musical cheio de gingado e melodia que encanta pelas danças e também pela execução que exige harmonia e talento de todos os músicos envolvidos na roda de samba. “Pelo telefone”, composição de Donga datada de 1916, é considerado o primeiro samba brasileiro, por substituir o maxixe. Nessa época, já se podiam gravar as músicas em discos.

Na mesma ocasião, surgiram muitos compositores de grande talento, como Pixinguinha, João da Baiana, Sinhô e Heitor dos Prazeres. O samba foi tomando uma expressão urbana e moderna. Começou a ser tocado nas rádios, se espalhou. Mais tarde, em meados do século 20, Dorival Caymmi e João Gilberto deram uma nuance sofisticada para o samba, misturando-o com outras influências musicais.

Conheça variantes do Samba

Samba-enredo – com origem no Rio de Janeiro na década de 30, é um samba que determina o ritmo dos desfiles das escolas de samba e aborda temas sociais e culturais.

Samba-de-partido-alto – é um samba de origem pobre, que tenta demonstrar a realidade de regiões carentes. Seus principais compositores são Moreira da Silva, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila.

Samba-Pagode – um dos ritmos dentro do samba que mais fazem sucesso, surgiu no Rio de Janeiro nos anos 70, com letras românticas e ritmo repetitivo, tem como principais representantes grupos como: Fundo de Quintal, Raça Negra, Só Pra Contrariar, entre outros.

Samba-canção – com origem na década de 20 tem característica ritmo lento e letras românticas.

Samba-carnavalesco – são as famosas marchinhas que embalavam os carnavais antigos e bailes típicos.

Samba-exaltação – esse tipo de samba trazia um saudosismo com letras que mostravam as maravilhas brasileiras, junto com acompanhamento de orquestra.

Samba-de-breque – tipo de samba que tem interrupções para comentários no meio da música, com temáticas críticas ou humorísticas.

Samba de gafieira – com origem nos anos 40, tem ritmo rápido e forte com acompanhamento, muito comum em danças de salão.

Sambalanço ou Samba Rock – Com influência do jazz o surgiu entre as décadas de 50 e 60 e embalou boates em São Paulo e Rio de Janeiro. Tem como principais representantes Jorge Ben Jor, Wilson Simonal e mais recentemente Seu Jorge.

Samba praiano – A Academia de Samba Praiana foi criada em 10 de março de 1960, por um grupo de rapazes, oriundos das cidades de Pelotas, Rio Grande e também Porto Alegre.

Samba-de-morro – é um subgênero musical do samba, criado e difundido na década de 1930, na cidade do Rio de Janeiro, por compositores que frequentavam as rodas de samba da Turma do Estácio. De ritmo vivo, o samba de morro é um estilo autenticamente popular, que costuma ser acompanhado por um pandeiro, um tamborim, uma cuíca e um surdo. Suas letras em geral tratam de temas diversos como malandragem, mulheres e o cotidiano nos morros e favelas cariocas.

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