Hiroshima e Nagasaki, crimes impunes que vêm se sucedendo

Oitenta anos depois do bombardeio atômico, criminoso e injustificado, de Hiroshima e Nagasaki pelos EUA, percebe-se claramente a vocação genocida dos ditos paladinos da liberdade e democracia: já ocorriam desde os tempos da colonização, mas se antes eles eram manipulados, hoje são executados cinicamente em plena luz do dia e com a cumplicidade dos proclamados donos do progresso e da civilização, inclusive a mídia corporativa.

Civilização, progresso, liberdade e democracia, enquanto marcas, podem, sim, ter donos, detentores de licença de uso. Portanto, ao dispor do deus mercado e das velhas oligarquias que há séculos vivem dessa falácia. A história, contudo, não. Nem senhores, nem serviçais. Porque é processo, devir do tempo, enfim, decorrente da incessante luta dos oprimidos contra seus opressores, explorados contra exploradores. Ainda que esses mesmos donos da verdade venham com a inusitada tese de que a história é disputa de narrativas, discursos e de questões subjetivas até. Só que não.

Cidade de Hiroshima, no Japão, completamente destruída após o lançamento da bomba atômica feita pelos Estados Unidos (EUA) no fim da Segunda Guerra Mundial – Foto: Getty Imagem/Senado Federal/Cortesia

O que temos na história são fatos contextualizados. Gaza (Palestina), hoje; Síria, há meses; Líbia e Iraque, há anos; Líbano, há mais anos; Sudão, anos a mais; Ruanda, há algumas décadas; Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, mais décadas; Biafra, muitas décadas mais; Paraguai, Brasil, Bolívia, Chile, Argentina e Peru (ditaduras), mais décadas; Vietnã e Camboja, meio século atrás; Palestina toda, setenta e cinco anos; Hiroshima e Nagasaki, oitenta anos; Chaco (Bolívia e Paraguai), noventa anos; Namíbia, quase um século; Armênia, quase um século também; campos de concentração nazistas e fascistas pelo mundo (inclusive na América Latina), o tempo todo. É o que sabemos, o que foi aos poucos desvelado, mas há muito mais genocídio, o que alimenta a cobiça das potências, que lucram e se desenvolvem com as guerras, como os EUA e a Europa, apenas para exemplificar.

Neste 6 de agosto — em pleno genocídio da população indefesa e famélica de Gaza, na Palestina, e do povo Tutsi, em Ruanda, na África — transcorrem os 80 anos da perpetração de um dos crimes de lesa-humanidade já registrados pela história: o indizível bombardeio da cidade japonesa de Hiroshima, repetido dois dias depois em Nagasaki, nas quais não havia bases militares, só população civil, inofensiva e indefesa, em que morreram instantaneamente mais de 80 mil e em menos de um ano mais de 200 mil. Harry Truman, presidente na época, e todos os comandantes militares dos EUA, a partir de então, demonstraram para a humanidade sua verdadeira face genocida, igual ou pior que Adolf Hitler, Benito Mussolini, António Salazar e Francisco Franco.

Decorridas oito décadas, o establishment estadunidense recorre à velha tese de que o uso de duas bombas atômicas por suas forças armadas foi necessário para “pôr fim” à guerra que poderia se arrastar por mais tempo. Nada disso. O uso de armas nucleares pelos Estados Unidos teve uma só motivação: demonstração de força perante a União Soviética, cujo Exército Vermelho derrotara de maneira acachapante Hitler em seu próprio território no mês de maio de 1945, isto é, três meses antes dessa iniciativa francamente genocida.

Atingir a população civil de duas cidades japonesas quando a guerra já estava decidida ainda é motivo de regozijo para gerações sucessivas não só insistirem numa insólita legitimidade dessa prerrogativa como para impor uma hegemonia usurpadora e arrogante sobre todos os povos do Planeta. De que os detentores do “destino manifesto” podem tudo e mais um pouco. Ora, frutos de uma colonização que cometeu extermínio de todos os povos originários e promoveu comércio de seres humanos sob o argumento de que tanto os originários da América quanto os da África “não tinham alma”, “não eram cristãos”, pelo que não representava crime o seu extermínio.

Em memória de todas as vítimas fatais e sobreviventes mutilados, inclusive com sequelas mentais, ao longo destes 100 anos, precisamos lutar pela defesa da paz mundial e da paz social em todo o Planeta. Pelo fim da cultura da guerra, seja interna — a procurar “inimigos internos” para justificar o extermínio de pessoas –, sejam os conflitos entre diferentes nações — para alimentar a indústria da morte, das armas bélicas –, temos que nos mobilizar, pois a tão temida conflagração mundial, chamada de Terceira Grande Guerra, já estamos testemunhando. Já está acontecendo debaixo de nossos narizes.

Isso implica dizer que temos de estar atentos a atos de vandalismo dos fascistas e neofascistas, sobretudo em nossas cidades, nossos bairros. Porque o fascismo, que está por trás de todas essas tragédias, vive do caos, da confusão e da falta de perspectivas para os excluídos e excluídas. Em nosso caso, a América Latina precisa estar unida e forte para nos contrapormos ante ameaças do presidente dos Estados Unidos, que como uma avalanche vêm se sobrepondo e tirando-nos a iniciativa. Não dá para deixar passar batido: os mesmos métodos utilizados na época de Truman, em 1945, estão atualizados para dar a Trump o papel nefasto de “policial do mundo”, como que os interesses das elites do Planeta fossem os mesmos que os dos trabalhadores, invisibilizados e temerosos.

Benjamin Netanyahu, Ursula von der Leyen e Donald Trump, para nomear os que estão em franca evidência, têm em sua formação “democrática” ocidental a impunidade com que as elites, desde os tempos dos impérios romano, otomano, castelhano, lusitano, francês, belga, alemão, britânico, japonês ou russo, sempre contaram, sempre tiveram a seu favor. Não fosse essa proteção acintosa, os tiranos contemporâneos teriam a certeza da impunidade? Basta nos lembrarmos de uma consigna existente no tempo da ditadura militar, muito bem explicitada pelo saudoso “O Pasquim”: aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei.

*Ahmad Schabib Hany

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