O governo federal anunciou, em 13 de agosto, o Plano Brasil Soberano, um pacote de medidas voltado a mitigar os efeitos das sobretaxas de até 50% aplicadas pelos Estados Unidos contra produtos brasileiros. A estratégia foi apresentada como um esforço emergencial para proteger exportadores e preservar empregos, em meio à crise diplomática e comercial que já ameaça setores-chave do agronegócio e da indústria de transformação.
Na prática, o plano reúne uma combinação de crédito subsidiado, incentivos tributários, compras públicas e diplomacia comercial. O discurso oficial fala em soberania econômica, diversificação de mercados e defesa do setor produtivo nacional. O desafio, porém, é transformar esse discurso em resultados concretos.

André Charone – Foto: Acervo Pessoal
O que prevê o plano
Entre as medidas anunciadas estão:
- Crédito com taxas reduzidasvia fundos garantidores (FGE, FGI e FGO), com prioridade a pequenas e médias empresas, totalizando R$ 30 bilhões.
- Expansão do Reintegra, ampliando a devolução de créditos tributários às exportadoras, até 6% para micro e pequenas empresas e 3,1% para médias e grandes.
- Prorrogação do drawbackpor mais 12 meses, aliviando importadores que utilizam insumos estrangeiros na produção voltada à exportação.
- Diferimento de tributos federaispor até dois meses, dando fôlego imediato ao caixa de empresas mais impactadas.
- Compras públicas emergenciaisde alimentos de produtores afetados, sem licitação, como forma de absorver excedentes.
- Reforço de seguros de crédito à exportaçãoe maior aporte em fundos garantidores, ampliando a cobertura de riscos internacionais.
- Diplomacia ativa, com promessa de acelerar negociações comerciais com União Europeia, EFTA, Canadá, Emirados, Índia e Vietnã.
Avanços e limites
Do ponto de vista técnico, o plano traz avanços relevantes. A ampliação do Reintegra e o fortalecimento de garantias financeiras são medidas capazes de dar alívio a setores exportadores em curto prazo. A diversificação de mercados é uma agenda necessária e há muito tempo adiada pelo Brasil.
No entanto, a execução levanta dúvidas sérias. O anúncio de R$ 30 bilhões sem detalhamento da fonte orçamentária gera insegurança sobre a viabilidade do pacote. Não é a primeira vez que o governo promete cifras bilionárias sem indicar claramente de onde virão os recursos. Isso compromete a credibilidade da política.
Outro problema é estrutural: burocracia. Programas como Reintegra e drawback exigem alto grau de conhecimento técnico e estrutura administrativa. Pequenas e médias empresas, que o governo coloca no centro do discurso, são justamente as que mais enfrentam barreiras para acessar esses mecanismos. Sem simplificação real, a promessa de inclusão se torna retórica.
Além disso, a exigência de manutenção de empregos como contrapartida para o crédito é socialmente defensável, mas economicamente arriscada. Em setores que já operam com margens comprimidas, a obrigação pode transformar o benefício em armadilha, inviabilizando empresas em vez de salvá-las.
O peso da geopolítica
O Brasil Soberano também deve ser analisado sob a ótica geopolítica. A crise com os Estados Unidos expôs uma dependência histórica: grande parte das exportações brasileiras continua direcionada ao mercado norte-americano. O governo fala em diversificação de parceiros, mas a experiência mostra que essa agenda raramente sai do discurso.
Negociações comerciais são lentas, complexas e sujeitas a resistências internas e externas. União Europeia, por exemplo, exige contrapartidas ambientais que o Brasil ainda não conseguiu atender plenamente. Com Canadá e Emirados Árabes, os acordos ainda estão em fase inicial. Índia e Vietnã representam oportunidades, mas com prazos de maturação longos. No curto prazo, a dependência dos EUA continua sendo uma realidade inescapável.
A leitura crítica
O Brasil Soberano combina medidas emergenciais e estratégicas. Mas o risco é que acabe ficando no meio do caminho: amplo demais para ser apenas emergencial e limitado demais para se consolidar como estratégia de longo prazo.
Do ponto de vista político, o governo acerta ao oferecer uma resposta rápida a um problema que afeta diretamente setores produtivos e empregos. Do ponto de vista econômico, porém, falta clareza sobre execução e sobra dependência de fatores externos.
Como tributarista e professor de negócios internacionais, vejo nesse pacote um instrumento paliativo, importante para sinalizar reação, mas insuficiente para resolver a vulnerabilidade estrutural do Brasil. A soberania de que o país precisa não se constrói com anúncios de bilhões, mas com competitividade, inovação e segurança jurídica.
No fim, a pergunta que se impõe é simples: o Brasil Soberano será um divisor de águas na política econômica brasileira ou apenas mais um episódio da longa tradição de pacotes anunciados com estardalhaço e resultados tímidos?
*André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).