Em um cenário de guerra tarifária, os pequenos negócios são os primeiros a cair

Joseph Couri, presidente do SIMPI Nacional – Crédito: César Sallum/Divulgação SIMPI

O Brasil inicia agosto enfrentando um cenário de incertezas sem precedentes para o seu setor produtivo. A decisão do governo norte-americano de impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, que se somam aos 10% já existentes, não é apenas um dado econômico. É um divisor de águas para milhares de micro e pequenas empresas que exportam para os Estados Unidos e que agora se veem diante de uma verdadeira guerra tarifária.

Quando falo em “guerra”, não é força de expressão. Em conflitos comerciais desse porte, existem alvos claros. E, infelizmente, os pequenos negócios são sempre os primeiros a serem atingidos. Grandes companhias conseguem se proteger melhor: têm estrutura para diluir custos, poder de negociação com importadores e presença diversificada em vários mercados. Já o MEI, micro e pequena empresa, independente do segmento, que opera com margens reduzidas e depende de poucos clientes estratégicos, geralmente não tem esse luxo.

O impacto não é teórico nem distante. Ele já está visível. Tenho recebido diariamente relatos de empresários que viram pedidos serem cancelados do dia para a noite, contratos de longo prazo suspensos e clientes históricos migrarem para fornecedores em outros países. Setores como calçados, cafés especiais, móveis e produtos agroecológicos estão especialmente vulneráveis. Em todos eles, o cenário se repete: importadores que não conseguem repassar ao consumidor final o aumento de preço causado pela tarifa, cancelamento de contratos que penalizam o fornecedor brasileiro, demissões e antecipação de férias na tentativa desesperada de adequar o custo de produção a uma receita que encolheu abruptamente, e a perda de mercado para concorrentes internacionais que enfrentam tarifas muito menores, em média, de 15%.

As micro e pequenas indústrias representam cerca de 1% das exportações totais do Brasil. Esse número pode parecer pequeno, mas sua importância estratégica é enorme. Elas alimentam cadeias produtivas, fornecem insumos e produtos para grandes exportadores, geram emprego e renda local e ajudam a consolidar a presença brasileira em nichos de alto valor agregado. Quando um pequeno fornecedor deixa de exportar, não é só ele que perde: toda a cadeia produtiva sofre. Grandes empresas que dependem de componentes, insumos ou produtos especializados ficam sem suprimento competitivo. Municípios que vivem da atividade industrial perdem arrecadação e empregos. E o país, no médio prazo, perde diversidade e competitividade nas exportações.

Já é possível identificar diferentes reações das empresas diante dessa crise. Algumas conseguem manter clientes americanos ao renegociar contratos e dividir o peso da tarifa. Isso exige confiança construída ao longo de anos e abertura para ajustes de preços, prazos e volumes. Outras, especialmente as mais dependentes das exportações, optam por absorver o custo sozinhas para não perder mercado. É uma decisão arriscada, que reduz a margem de lucro, pressiona o capital de giro e pode levar à inviabilidade do negócio em poucos meses. E há ainda aquelas que simplesmente não têm como competir e acabam cortadas das cadeias internacionais, substituídas por concorrentes estrangeiros, muitas vezes sem chance de retorno.

Esperar por um acordo diplomático é uma aposta de altíssimo risco. Não há garantia de que as negociações entre governos resultarão em alívio tarifário rápido. O empresário precisa agir agora para proteger contratos, clientes e a própria sobrevivência. É preciso renegociar, revisar cláusulas, buscar novos mercados, aproveitar acordos regionais como o Mercosul e até redirecionar parte da produção ao mercado interno, aproveitando uma vantagem competitiva para competir localmente.

A guerra tarifária imposta pelos Estados Unidos não afeta apenas a rentabilidade dos pequenos negócios. Ela ameaça a presença brasileira em setores estratégicos, fragiliza cadeias produtivas e coloca em risco anos de construção de mercados. Os pequenos exportadores são, muitas vezes, os embaixadores silenciosos da nossa indústria lá fora, vendendo produtos que carregam identidade, qualidade e inovação brasileiras. Se forem expulsos do mercado, será muito mais difícil, e caro, reconquistar esse espaço no futuro.

Em momentos como este, não há margem para imobilismo. Sobrevive quem protege seus ativos mais valiosos: clientes, produção, contratos e reputação. Quem agir agora terá mais chances de atravessar a tempestade. A guerra começou. E, para os pequenos negócios, cada dia sem ação é uma batalha a menos para lutar.

 *Joseph Couri, presidente do SIMPI Nacional

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Topo