Androginia e o Simbolismo da Integração

Jorge Miklos – Foto: Arquivo Pessoal

O mitólogo Joseph Campbell esclareceu que as narrativas míticas são formas metafóricas, alegóricas, criadas pelos nossos ancestrais. Por meio dos mitos, os povos primevos procuravam explicar a causa primeira e o sentido da existência humana. Os seres humanos são criaturas mitificadoras. Criamos narrativas míticas para demonstrar autoconhecimento e dar sentido à vida. O mito é um espelho das nossas angústias e das nossas utopias.

Andrógino é uma palavra grega que significa, literalmente, masculino-feminino. Em sua obra O Banquete, o filósofo grego Platão conta que os andróginos eram seres míticos que tinham características sexuais masculinas e femininas. Homem e mulher numa única pessoa. De acordo com o mito, pelo fato de serem perfeitos, o todo poderoso e ciumento Zeus os puniu cortando-os ao meio. Hoje, essas metades são pessoas, homem e mulher que sofrem por sua incompletude e procuram a sua “metade” perdida. O mito revela a angústia da solidão e a utopia de encontrar a “alma gêmea”. Isso explica o dilúvio dos aplicativos de relacionamento que estão encharcando as sociabilidades contemporâneas. Cumprindo a profecia de Vinícius de Morais, paradoxalmente, parece que no lugar da promessa do encontro, a experiência dos aplicativos tem oferecido o seu oposto: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

O fundador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung, bem como os membros dessa escola, interpretaram o mito da androginia, entendendo-o como uma manifestação simbólica da condição da psique humana: todo homem transporta no seu inconsciente um princípio feminino e toda mulher, inversamente, um princípio masculino. A parte feminina de um homem e a parte masculina de uma mulher constituem, nas palavras de James Hollis, ‘os parceiros invisíveis’ em qualquer relacionamento homem-mulher.

É comum termos em nossa alma o oposto do que exibimos em nossa persona (máscara) social. Porém, esse oposto complementar está escondido. É o que Jung chama de ‘aspectos sombrios’ que, muitas vezes, são acessados no derradeiro encontro apaixonado. Ou rejeitamos ou arrebatamos.

A utopia inconsciente mais profunda, manifesta no mito do andrógino, é restaurar a perdida unidade primeva, em que masculino e feminino estariam em harmonia. Assim, a grande busca da humanidade é não só a reunificação entre os sexos, mas também a reunificação dos princípios masculino e feminino, dentro de cada um de nós.

O andrógino é aquele que não reprime as características que convencionalmente pertencem ao sexo oposto, como por exemplo, a sensibilidade e a perda do medo do afeto, no homem; e a inteligência criativa na mulher. Só é andrógino aquele que é capaz de reunificar os opostos dentro de si: o masculino e o feminino, a atividade e a passividade, mente e corpo. Em outras palavras, a antológica canção de Gilberto Gil: “o super-homem restituindo a glória, mudando como um Deus o curso da história, por causa da mulher”.

*Jorge Miklos, analista Junguiano e Sociólogo. Graduado em História e Ciências Sociais. Especialista em Psicologia Analítica. Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Comunicação Social. Coordena uma pesquisa sobre as masculinidades contemporâneas.

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