O Ser e a Linguagem no livro Vias do Infinito Ser

Vias do Infinito Ser, de Rubenio Marcelo, é um livro de reflexão. E reflexão voltada para a essência do ser, suas angústias, suas dores, questionamentos, decisões e silêncios. No prefácio deste livro, José Fernandes, poeta e crítico literário, destaca expressivos versos nos quais o poeta RM perscruta os caminhos percorridos pelo ser, seja por viagens ao seu âmago finito, seja por voos vertiginosos nos limites desconhecidos do infinito. Tudo envolto por uma linguagem poética enriquecida de metáforas, de inusitadas intertextualidades e de arrebatados momentos de metalinguagem.

Livro ‘Vias do Infinito Ser’ de Rubenio Marcelo – Foto: Divulgação

A exuberância de temas, ideias e insights que compõem esta reunião de poemas constrói um repertório de excelência, em que Rubenio Marcelo transita com eloquente complexidade e deixa evidente seu lirismo metafísico, no caso, voltado a uma instigante investigação do ser/homem em relação ao mundo e a sua inserção nesse plano sensível, só e em coletividade.

Do tecido poético de RM afloram conceitos filosóficos, voltados alguns deles a ideias de Heidegger – reflexões sobre a existência humana por meio de uma interrogação sobre o sentido do ser –  quando o poeta questiona o próprio modo de ser, de habitar o mundo e de conduzir a própria vida, com intuito primeiro de compreender o sentido da existência humana.

“…por via das dúvidas

    há vias de certezas

   que nos desafiam a percorrer

   in/conscientemente

  e em perfeita claridade

  a via láctea e o infinito

 do nosso ser.”  (in Via do Infinito Ser)

Vários são os versos em que RM assinala a indagação à compreensão das coisas no cotidiano, as múltiplas manifestações do ente e a ideia referente ao horizonte das possibilidades de ser de um ente que habita o mundo, relacionando-se com tudo o que é a partir de uma compreensão de ser. O mundo não é entendido apenas como espaço geográfico, mas como uma concreção fática constitutiva do próprio ser.

      “…em sinuosas inconfidências

observam-se

    e absorvem-se

  entre sarjetas

                                         e arranha-céus…” (in Cotidianidades)

Vias do Infinito Ser é uma obra plena de recursos linguísticos que o leitor atento descobre a cada leitura. A intertextualidade é um desses recursos.

Julia Kristeva, crítica literária, búlgaro-francesa, assinala que intertextualidade é um termo que designa uma condição para a existência de qualquer texto. Os textos só existem porque absorvem e transformam outros textos. Esse processo construtivo de absorção e transformação é a intertextualidade.

No viés da intertextualidade, vê-se o aspecto da religiosidade que acompanha RM aproximando-o de passagens das Sagradas Escrituras.

“Poesia, Poesia…

em teu espírito

entrego as minhas mãos…

Poesia,

que unificados em tua essência

renasçam os grãos

caídos entre espinhos…” (in Entrega)

Os versos “em teu espírito / entrego as minhas mãos…” remetem à passagem bíblica das palavras finais de Cristo, pregado no madeiro: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito!” (Lucas 23:46), e os versos “renasçam os grãos / caídos entre espinhos…” alusão à parábola do Semeador, Mateus, 13.

RM é virtuose no emprego do intertexto; o poeta sabe que o sentido de incorporar um intertexto – de forma sutil e funcional – é  aumentar o poder do seu poema com o que já se disse de maneira singular mais do que ele mesmo poderia dizer.

E Rubenio Marcelo continua a encantar o leitor com outro recurso como a metalinguagem – é um estudo reflexivo sobre a própria linguagem, que se dá toda vez que o código fala sobre si, no caso, o poema se referindo à Poesia ou ao fazer poético, por exemplo.

mais que a vida

 devo-lhe o sentido…(in À Poesia)

Em Vias do Infinito Ser, observa-se a engenhosidade linguística dos poemas de RM no uso da metalinguagem, o que configura o caráter de grande valor inventivo. O poeta, no poema, dialoga com a Poesia e reflete sobre seu ofício a tal ponto que ele se sobrepõe à própria vida do poeta.

Por fim, RM é daqueles poetas singulares que mergulham todo o espírito nos sentidos. Suas temáticas se fundamentam no concreto e no abstrato; imagina situações em que se manifestam efabulações e animações, envolvidas numa linguagem figurada – metáforas – a qual confere sentimento e paixão às coisas inanimadas.

Rubenio Marcelo tem o domínio da importância do valor simbólico da palavra e sabe que a adequação de seu uso é para atender as necessidades poéticas mais profundas do espírito. Em Vias do Infinito Ser** os poemas sintetizam o poeta no auge do controle artístico de seu fazer poético. RM reúne consciência estética e a autoconsciência identificadas por uma universalidade fraterna e uma atemporalidade que o faz sempre atual e presente às indagações do Ser.

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(*)   Ana Maria Bernardelli é professora, poeta e ensaísta

(**) Livro de Rubenio Marcelo indicado como leitura obrigatória para o Vestibular 2021 da UFMS

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