Caiu a máscara

Com mais de 105 mil mortes no total, cerca de mil óbitos e 45 mil novos casos por dia, a Covid-19 segue ameaçando de modo grave a saúde pública, os brasileiros e a economia do País, que, segundo a prévia do PIB, divulgada em 14 de agosto pelo Banco Central, teve queda de 10,94% no segundo trimestre, caminhando para a recessão técnica. Nesse contexto, com o contágio ainda acelerado na maioria dos Estados e em algumas das mais populosas cidades, é desolador observar crescente descuido com as medidas preventivas.

Nas minhas poucas e essenciais saídas do isolamento social – ainda imprescindível para os maiores de 60 anos – e nos relatos que recebo de familiares e colaboradores de nosso grupo, de distintas regiões, constata-se número cada vez maior de pessoas sem máscara nas ruas, praças, pistas de caminhadas e corridas nos canteiros centrais das avenidas, ciclovias e até dentro de estabelecimentos comerciais.

Nota-se ser decrescente o uso de álcool em gel na entrada e corredores de shoppings, supermercados e grandes lojas, bem como descumprido o distanciamento de 1,5 metro entre frequentadores, embora os estabelecimentos estejam adotando rigorosamente os protocolos de segurança. A questão é que muitos indivíduos ainda parecem colocar-se acima do bem e do mal, como se fossem imunes e, pior do que isso, como se o seu desleixo não pusesse em risco a vida de outros. Muitas vezes, quando abordados por seguranças ou pessoas de boa vontade, reagem com arrogância e truculência, como às vezes são flagrados em vídeos que viralizam nas redes sociais.

Tais observações não resultam de pesquisa com bases técnicas de amostragem e tabulação, mas é visível a olho nu, inclusive nas matérias da mídia, o desrespeito às medidas preventivas, nos espaços públicos e comerciais, incluindo aglomerações noturnas nas calçadas de bares, em distintas cidades. Quem atenta contra as normas de segurança alia-se ao novo coronavírus no “ataque” à saúde pública e à Nação.

Tal negligência é uma desconsideração com o próximo e, mais ainda, com os milhares de brasileiros que, desde o início da pandemia, estão na linha de frente da guerra contra o inimigo invisível. Refiro-me aos profissionais da saúde, produtores, mulheres e homens do campo, o pessoal das redes de abastecimento de alimentos, bens básicos, remédios e combustíveis – da distribuição à ponta do consumo -, policiais, entregadores, varredores de rua e coletores de lixo, cientistas e pesquisadores, caminhoneiros e todos os trabalhadores dos transportes de passageiros e cargas.

Cabe ressaltar que cerca de 26% dos servidores do sistema médico-hospitalar da cidade de São Paulo já contraíram a Covid-19. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, dos 90 mil profissionais, 23.679 foram infectados, até julho de 2020, e 45 faleceram em decorrência da doença. Este exemplo é emblemático quanto ao significado e valor do contingente de heróis anônimos que, com risco próprio e de suas famílias, está mantendo a população viva e segurando minimamente o nível de atividade, que já teria entrado em rota insustentável não fosse seu trabalho e luta.

Num alarmante contraste, assistimos à negligência de milhares de pessoas, que, aos desrespeitarem os protocolos de prevenção, conspiram contra a própria saúde, de suas famílias, a vida e a economia. Parecem banalizar as estatísticas e a tristeza pelo elevado número de mortes e demonstram não entender que precisamos barrar a onda de contágio para a retomada plena dos negócios e resgate dos mais de 13 milhões de desempregados.

Sim, a máscara caiu dos rostos de numerosos brasileiros, desnudando a face de uma pátria constrangida. Não há mais como esconder: precisamos de um choque de educação e civismo. A epidêmica carência de cidadania compromete nosso desenvolvimento.

*João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário, é membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

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