Eu e minhas histórias Parte XV

Lago de Yapacarai – Foto: Divulgação

Recuerdos de Ipacaray era uma das músicas favoritas do meu pai, que ele adorava cantar com os amigos, especialmente, onde a família se reunia nos churrascos de domingo, fato que contei em uma recente entrevista ao programa “Nossa música é assim tendo como titular o cantor Zé Du . Curiosamente a canção, uma das mais conhecidas mundo afora sobre o Paraguai, gravada e regravada por, entre outros, Julio Iglesias, o cantor preferido da minha madrinha, foi composta por uma argentina que só foi pisar as terras guaranis longos anos depois do estrondoso sucesso de sua composição, já na terceira idade.

Como Conselheiro de cultura, ainda me pedem pra contar essas e outras histórias. Talvez ainda faça um, livro só de histórias musicais. Mas, dia desses, incrivelmente, me peguei cantarolando Recuerdos de Ipacaray, e fiquei pensando. Justo eu, que nunca tinha atentado para essa letra, em particular e achava que não tinha nenhuma relação especial com ela. Mas tenho, e por isso, juntei algo aqui e ali e para quem não percebeu a beleza dela, de repente posso despertar esta percepção:

Recuerdos de Ypacaraí

Zulema de Mirkin e Demetrio Ortiz

Una noche tibia nos conocimos

Junto al lago azul de Ypacaraí

Tú cantabas triste por el camino

Viejas melodías en guaraní.

Y con el embrujo de tus canciones

Iba renaciendo tu amor en mí

Y en la noche hermosa de plenilunio

De tu blanca mano sentí el calor

Que con sus caricias me dio el amor.

Donde estás ahora cuñataí

Que tu suave canto no llega a mí

Donde estás ahora mi ser te añora

Con frenesí.

Todo te recuerda mi dulce amor

Junto al lago azul de Ypacaraí

Donde para siempre mi amor te espera

Cuñataí.

Lembranças de Ipacaraí

Uma noite fria nos conhecemos

Junto ao lago azul de Ipacaraí

Tu cantavas triste pelo caminho

Velhas melodias em guarani.

E com o feitiço de tuas músicas

Ia renascendo meu amor por ti

E na bela noite de plenilúnio

De tua branca mão eu senti o calor

Que com seus carinhos achei o amor.

Onde estás agora, cunhataí,

Que teu suave canto não chega aqui

Onde estás agora meu ser te implora

Com frenesi.

Tudo faz lembrar-te, meu doce amor,

Junto ao lago azul de Ipacaraí

Onde para sempre meu ser carece

Cunhataí.

Sobre a letra, permita-me sugerir que a expressão Cuñataí é menina-moça em guarani. O lago de Ypacaraí fica perto de Assunção e o azul é imaginário, claro, como num poema. Na realidade, o lago concentra o maior produto turístico do Paraguai e há toda uma infra-estrutura nas cidades circuvizinhas algumas com nomes na lingua guarani – Areguá, Itaguá e Pirayú – com casas de vreaneio da classe média alta, hotéis, restaurantes – a maioria de comida alemã (a maior colônia de estrangeiros no Paragui é de alemãs), o que tem movimento intenso na temporada de verão, entre dezembro e fevereiro.    Agora a temporada é de baixa estação, em São Bernardino, Na região planta-se morango. São Bernerdino vem do nome do general Bernardino Caballero, o qual lutou na Guerra do Paraguai especialmente na Batalha do Campo Grande (Batalha de Los Ninõs ou Acosta Ñu), a retirada do ditador Solano Lopes e sua morte pelas tropas do Conde D’Eu.   Bernardino foi o fundador do Partido Colorado e depois presidente do Paraguai.

 No caso da música, há divergências quanto a algumas passagens do original, especialmente com relação ao penúltimo verso. Por exemplo a palavra noche aparece duas vezes, ora qualificada como tibia (morna), ora como hermosa (linda). Inicialmente pensei trocar a posição dos adjetivos na tradução (“Uma noite linda nos conhecemos”, “E na noite morna de plenilúnio”), preservando a sonoridade das vogais. No entanto essa solução, ponderei depois, iria contra teor da letra: a noite começa morna e se torna linda conforme o amor toma forma. Alterar essa ordem seria intervir fortemente no texto. Por fim cheguei à solução de qualificar a noite como “fria” no primeiro verso, solução que entendo mais fidedigna e que combina mais com o “triste” da primeira estrofe.

Por outro lado, os versos “De tu blanca mano sentí el calor / Que con sus caricias me dio el amor” podem, numa tradução literal, se mostrar de complexa compreensão para o ouvido brasileiro, acostumado a confundir a 2ª e a 3ª pessoas. Quem deu o calor, tu ou a mão? Para contornar o problema optei por “achei o amor”. Por fim Todo te recuerda não pode ser traduzido como “Tudo te recorda”, que teria mais o sentido de “todas as coisas se lembram de você” e não de “tudo faz lembrar de você”. Optei pelo sintético “Tudo faz lembrar-te”. Mas independente da minha tradução, se está certa ou não, isso sinceramente nem cogito. Apenas quero resgatar as boas histórias, o sentimento de ouvir uma boa música, que são coisas que já estão ficando pelo tempo.  De qualquer forma, aqui no campograndenotícias, esse espaço de arte e de cultura é permanente, histórico, cultural e servil. E afinal, vamos ouvir esse clássico e tirar nossas próprias conclusões.

O lago Ypacarai deságua no rio salado que por sua vez atinge o Rio Paraguai. Entretanto a eventual informação de que Adolf Hitler não morreu em um bunker, em Berlim, na Alemanha, a 30 de abril de 1945, mas sim no Paraguai, a 5 de fevereiro de 1971, nos foi repassada a poucos metros da possível cripta do austro-húngaro e alemão nazista Adolf Hitler, num belo e bem cuidado jardim da área externa do Hotel del Lago, às margens do Lago de Ypacaraí, no município de San Bernardino, (na outra margem existe a cidade de Ypacarai) localizado a pouco mais de 50 kms de Assunção, capital do Paraguai. Esse hotel que foi fundado por alemães, ainda em 1888, e que também povoaram a cidade de San Bernardino, ainda abriga, nos dias de hoje, notável colônia de germânicos. Esse hotel que foi fundado por alemães, ainda em 1888, e que também povoaram a cidade de San Bernardino, ainda abriga, nos dias de hoje, notável colônia de germânicos. Ainda dentre as celebridades que notabilizam a história do Hotel del Lago, está a figura do aviador francês Antoine de Saint-Exupéry, que escreveu o épico livro “O Pequeno Príncipe” esteve em duas ocasiões no hotel, a convite da “Tigresa”, como foi apelidada Hilda Ingenhol, uma aviadora de origem alemã, fã do nazismo, que nasceu na África do Sul, que passava longos períodos no hotel e com quem viveu um tórrido romance. Bom mas os pormenores dessas histórias ficam para o próximo artigo. Ouçam a Loli em voz e violão.

*Crítico Musical e Conselheiro de Cultura de Corumbá.

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