Oficina de confecção de bonecas pretas em comunidade quilombola durante o Fasp promove valorização da identidade racial

Fotos: Aurélio Vinícius / FASP

Corumbá (MS) – O Grupo Cirandelas esteve na comunidade quilombola Família Osório, em Corumbá, na manhã deste domingo, para ministrar a Oficina de Bonecas Pretas como parte da programação do 14º Festival América do Sul Pantanal. Crianças da comunidade foram com seus pais e demais interessados para aprender a confeccionar bonecas de pano feitas sem costura, chamadas “ibgala”, que na linguagem yurubá (dialeto africano) significa “resgate”.

“As mulheres africanas, quando transportadas pelos navios negreiros, arrancavam pedaços de suas roupas para confeccionar bonecas, atividade que as fazia suportar o sofrimento da escravidão. Com essa oficina, pretendemos proporcionar o resgate desta tradição e fazer as crianças e mulheres negras vivenciarem sua identidade”, diz Romilda Pizani, uma das ministrantes, membro da Cirandelas, grupo de mulheres cujo foco é trabalhar o empoderamento feminino por meio de músicas populares e trabalhos artísticos.

Fotos: Aurélio Vinícius / FASP

Estas bonecas são fáceis de fazer, dispensam costura e o acabamento é feito por meio de amarração dos retalhos. Os panos pretos que compõem o corpo e cabelos são uma forma de fortalecer a identidade racial dos quilombolas. “Quando estivemos aqui ontem, perguntamos para as crianças da comunidade quem é negro aqui, e ninguém levantou a mão. Quando perguntamos quem é marrom, cravo e canela, moreno, todo mundo levantou. Então isso é como eles se veem, como a sociedade coloca. Se você é moreno, você é aceito. Ser negro não é legal. Quando elas tocam a boneca começam a vivenciar seu momento de alegria com uma boneca preta, vivenciando sua identidade”, diz Romilda, que também é membro do Grupo TEZ (Trabalho e Estudos Zumbi), que há 33 anos discute questões raciais negras em Mato Grosso do Sul.

Presentes na oficina, as irmãs Angélica e Luzia Rodrigues Ozório são filhas do patriarca do quilombo, Miguel Ozório, que se estabeleceu na região na década de 1980, quando só tinha mato e não havia luz elétrica. “Daí seus 20 filhos cresceram e tiveram outra visão para melhorar a comunidade. Nossos bisavós eram escravos, os avós ainda pegaram a época da escravidão, mas logo acabou”, diz Angélica, a primeira presidente da comunidade, que foi reconhecida pela Fundação Palmares oficialmente como remanescente de quilombo.

Fotos: Aurélio Vinícius / FASP

Sua irmã Luzia é a atual presidente, e diz que muitas pessoas de Corumbá ainda não aceitam o fato de a comunidade ter sido reconhecida como quilombola. “Alguns acham que temos muitos direitos, privilégios. Tem pessoas em Corumbá que não conhecem a comunidade, que não sabem que aqui é quilombola”.

A comunidade vive essencialmente da pesca e da agricultura, e o que é pescado e colhido é utilizado para consumo próprio e vendido para outras populações. As irmãs decidiram buscar outro caminho, e foram para a universidade. Angélica é formada em Pedagogia e dá aulas na Escola Municipal Luiz Feitosa Rodrigues, que atende as crianças do quilombo, e Luzia é estudante de Pedagogia. “Sempre quis ser professora. Minha irmã foi meu incentivo para voltar a estudar”.

Nas suas aulas na escola da região, Angélica tem o cuidado de trabalhar a consciência negra. “Até criança às vezes não sabe sobre raça, etnia. É importante reconhecer quem somos e que o ser humano é um só. É uma luta sempre para relembrar os nossos antepassados”.

Fotos: Aurélio Vinícius / FASP

Sobre a programação do Fasp na comunidade, ela diz: “É muito gratificante sermos lembrados, que aqui existe uma comunidade quilombola. A produção do Festival esteve aqui e propôs uma ação na comunidade. É um reconhecimento do quilombo da Família Ozório, temos que sempre ser lembrados”.

A pescadora Erica Vieira Castelo esteve com suas duas filhas, Ewlly, de 5 anos, e Jesuele, de três, na quadra de esportes para aprender a fazer as bonecas pretas. “Estou tentando fazer uma para cada para não ter briga. É a primeira vez que estou fazendo, não é difícil. Simboliza a África, nossa ascendência negra. Gosto de viver aqui. É muito bom, a gente aprende muito”.

A pedagoga Laycillia Rodrigues Samaniego trabalha nas escolas com capoeira, e enquanto confeccionava suas bonecas, seu filhinho brincava com os instrumentos do Mestre Zumbi, que foi dar uma força para as mulheres da Cirandelas. “No Dia da Consciência Negra eu dou oficina de capoeira nas escolas e agora também dá para fazer oficina de bonecas com as crianças, que aprendi aqui. É bem simples, e muito fácil, qualquer pessoa pode ter em casa. Vou fazer outra como fantoche”.

Ao final da oficina, todos se reuniram para uma foto com as bonecas que confeccionaram. O grupo de oficineiros deixou a comunidade subindo a ladeira ao som do berimbau, tambor e triângulo, entoando as canções populares que tanto animaram a criançada neste domingo.

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