Os desafios para a produção de uma vacina universal contra o câncer

Pesquisas mostram caminhos para prevenir câncer do cólon e evitar o retorno de melanomas, mas ainda não se tem uma vacina universal

Laboratório Vacina

Para além da busca para a cura do câncer, desejamos encontrar uma vacina universal que nos protege contra o desenvolvimento de qualquer tipo da condição médica. No entanto, infelizmente, uma vacina universal está longe de se tornar uma realidade.

Ainda assim, algumas pesquisas já mostraram resultados interessantes para certos tipos de tumores malignos. São diversos desafios na área, já que produzir imunizantes efetivos contra um conjunto de mais de 200 doenças que se “camuflam” no sistema imunológico certamente não é fácil.

Então, para encontrar um caminho, pesquisadores ao redor do mundo focam num grupo inicial. O grupo é composto por pessoas saudáveis com alto risco de progressão para o câncer, sendo esta uma das principais causas de morte em todo o mundo. De acordo com a OMS, cerca de 10 milhões de pessoas morreram com câncer em 2020.

Identificar as células malignas não é simples

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Antes de tudo, devemos considerar que não é fácil identificar as células cancerosas. Willian Nassib, diretor médico do Centro de Oncologia e Hematologia da BP, a Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que o câncer causa alterações no DNA e nas moléculas de uma célula saudável. Isso por vários motivos, como exposição à luz ultravioleta, fumaça de cigarros, vírus, entre outros.

Desse modo, em tese, as moléculas alteradas poderiam ser reconhecidas pelo sistema imunológico sem problemas, o sistema “montado para reconhecer tudo o que é normal e anormal no corpo”, conforme ressalta Nassib. No entanto, não é o caso do câncer.

“O que ocorre é que algumas dessas alterações moleculares permitem que o câncer se esconda no sistema imunológico. Por uma série de mecanismos que cada vez mais nós estamos descobrindo, [o câncer consegue] se esconder do sistema imune e sobreviver sem o ataque das nossas células de defesa”, destaca o médico.

Ponto de atuação

Uma vacina é a preparação que contém partes enfraquecidas ou inativas de um organismo, ou antígeno, que provoca uma resposta imune no nosso corpo. Logo, uma vacina efetiva contra o câncer precisa saber reconhecer a diferença entre uma célula “camuflada” cancerosa e uma célula saudável.

“A célula tumoral de um tumor de pulmão, por exemplo, tem na maior parte de suas proteínas as mesmas que estão nas células normais. Por isso o ideal é quando temos alterações específicas”, exemplifica o oncologista Helano Freitas, do A.C.Camargo Câncer Center, em São Paulo.

Assim sendo, em 2011, um grupo de cientistas dos Estados Unidos conseguiu orientar o sistema a atacar tumores que apresentavam uma proteína encontrada somente nas células malignas. Esse alvo, a Mucina 1 (MCU1), pode ser encontrado em diversos tipo de câncer, como o de mama, pâncreas, próstata, colorretal e melanoma.

“A vacina MUC1 é fortemente imunogênica [estimula uma resposta imune], segura e apresenta potencial de prevenção de novos adenomas [um tipo de tumor], reduzindo assim o risco de câncer de cólon”, disse a imunologista e principal cientista do projeto, Olivera Finn, em um artigo recém-publicado.

Porém, Nassib ressalta que esse “alvo comum” é encontrado também em células saudáveis, mesmo que em menor quantidade. “Então, estamos falando de uma seleção de antígeno. Eu tenho que escolher alguma coisa que esteja só na célula do tumor e não está na célula normal, desse modo eu consigo montar o sistema imunológico contra o tumor especificamente”, destaca.

Neoantígenos

Outra estratégia que pesquisadores consideram é a dos neoantógenos, que são substâncias que provocam a resposta imune do organismo, produzidas pelas próprias células cancerosas após mutações no DNA do tumor.

“Todo tumor, para que ele exista, tem várias mutações, pode ter até milhares. As células se transformam por causa de mutações no DNA. Agora, a maior parte dessas mutações não fazem muitas alterações, não impactam tanto, mas algumas podem ser específicas. E são essas proteínas anormais que podem gerar os chamados neoantígenos, ou antígenos novos”, diz Freitas.

Vacina ou imunoterapia

Porém, a maior parte desses imunizantes são considerados imunoterapia, visto que visa melhorar o sistema imunológico, evitando que o câncer retorne, cresça ou se espalhe. O problema é que alguns neoantígenos não conseguem estimular o organismo tanto assim.

“Se você escolher um neoantígeno muito fraco, sua vacina não vai funcionar muito bem”, explica Nassib. O segundo problema é que a escolha do neoantígeno é exclusivo ao tipo do câncer. Isso porque, se um imunizante usar um neoantígeno muito parecido com as proteínas já presentes em células normais, a imunização não acontece.

“A grande dificuldade de você desenvolver vacinas contra o câncer é justamente a escolha dos neantígenos”, ressalta Nassib. “Se a gente descobrisse isso [um neoantígeno potente] seria ótimo, mas ainda não conseguimos descobrir nada do tipo. Não conseguimos descobrir esse neoantígeno tão bom e universal para todo mundo”, lamenta.

Por outro lado, os esforços na vacinação contra do Covid-19 possibilitou um salto na área. “Então eu acho que isso vai acelerar bastante”, diz ele. “Onde a gente ainda está engatinhando é na seleção dos antígenos. Isso a gente ainda não consegue fazer muito bem, especialmente para os tumores sólidos, os tumores hematológicos, as leucemias, os linfomas. Mas eu acho que isso tudo vai proporcionar resultados positivos no futuro, sim”.

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