João Fígar e a música na sua essência

Capa de um dos CDs de João Fígar – Foto: Divulgação

Nascido no estado de São Paulo, e vindo com apenas seis meses de idade para Campo Grande, João Figueiredo Júnior (João Fígar) tornou-se forte referência da nossa música regional. Reconhecido como uma das mais belas vozes do estado, o cantor e músico/compositor explica – quanto ao seu nome artístico – que o seu amigo Almir Sáter o chamava de ‘João Figa’ e ele (João) entendia ‘Fígar’, sendo que um diretor de gravadora gostou e chancelou o nome João Fígar, que ficou. No tocante à sua vinda com tão pouca idade, João contou-me – dentre outras coisas (assim como as demais informações biográficas/curriculares) – que ‘o seu pai trabalhava na empresa Matarazzo em São Paulo e inesperadamente foi transferido para Campo Grande… assim, após o seu pai construir uma casa nesta localidade, para cá veio a sua família (seus pais e os três filhos: Beatriz, Ester e João) em uma kombi, numa cautelosa viagem de vários dias, na época (início de 1961) enfrentando precárias estradas de chão.

Detentor de importantes premiações, e notável expoente contemporâneo da música de MS, João costuma afirmar – sempre com certa dosagem de emoção – que “define realmente como o seu ‘melhor prêmio’ aquele que ele ganhou quando tinha 9 anos de idade, aqui na Cidade Morena”. E, neste sentido, ele relata que, na ocasião (finalzinho da década de 60), saiu escondido de casa para assistir a um festival de música no Teatro Glauce Rocha… e lá, após uma conhecida professora franquear-lhe a entrada, foi convidado ao final – por Henedina Hugo Rodrigues e Maria da Glória Sá Rosa (a Professora Glorinha) – para cantar no evento, sendo que a sua aplaudida apresentação lhe conferiu o prêmio de melhor intérprete do Festival Roda da Canção Infantil: um pacote de 5 kg de arroz, que ele, feliz, levou para o seu lar. Ali estava demarcado o seu potencial, o seu talento nato, e o prenúncio da sua admirável carreira artística.

Aos 15 anos, João integrou o Grupo Therra, cuja formação contava também com Carlos Colman, Roberto Espíndola, Orlando Brito, Adailo e Aluízio. Aos 18, fez parte do Grupo Tetê e o Lírio Selvagem, formado pelos irmãos Espíndola e Almir Sáter. Aos 22 anos, foi residir na Europa, fixando morada inicialmente na França (em Paris), onde inclusive recebeu por uma temporada em seu apartamento o amigo músico sul-mato-grossense José Boaventura, de saudosa memória (e filho da hoje também saudosa Maria da Glória Sá Rosa).

Lá, na capital francesa, o jovem artista João Fígar primeiramente (em 1982) pertenceu ao grupo Brazilian Band, e depois foi convidado para compor a Banda Azamba, que possuía outros renomados músicos brasileiros, como por exemplo o guitarrista Luizinho Vieira, filho do cantor/compositor Luiz Vieira (1928-2020). Integrando esta Banda, João fez importantes apresentações e shows no continente europeu, divulgando também a música brasileira: em Paris, Avignon, Annecy, SaintTropez (França), onde foi aplaudido inclusive por Brigitte Bardot; em Londres/Inglaterra; em Genebra/Suíça; em Údine/Itália, aqui a convite do afamado futebolista Zico, que naquele tempo jogava no Udinese. Com a famosa Banda Azamba, Fígar tocou também em concorridos eventos especiais, como na celebração do aniversário do cineasta francês Roger Vadim (que foi esposo das atrizes Brigitte Bardot, Catherine Deneuve e Jane Fonda), e na festa de Ibrahim Sued e Ricardo Amaral.

No seu retorno ao Brasil, João Fígar gravou o seu primeiro disco solo (em 1986, pela Gravadora 3M), e foi indicado como “Cantor Revelação Pop/Rock” no prêmio nacional Sharp, competindo com Ed Motta e Fábio Fonseca.  Em dezembro de 1987, apresentou-se em São Paulo, no Museu da Imagem e do Som (MIS), participando do projeto “Pantanal Alerta Brasil”, juntamente com outros grandes artistas da região. Este significativo evento – tematizado na conscientização ecológica para a preservação do nosso Pantanal – gerou a gravação ao vivo do LP “Pantanal Alerta Brasil” (lançado em 1988, pelo selo Reserva Nacional), em que Fígar interpreta emblemáticas canções, ao lado de nomes como Guilherme Rondon, Geraldo Espíndola, Celito Espíndola, Toninho Porto, além de Almir Sáter, Paulo Simões e Alzira E.

Em parceria com Guilherme Rondon, gravou em 1991 o disco “Rondon & Fígar” (pela Eldorado-SP), produção esta que também recebeu indicações para o prêmio Sharp/92 e que teve a canção “Paiaguás” contemplada como Melhor Música Regional.

Em 1995, João Fígar foi escalado – ao lado das cantoras Miúcha e Cristina Buarque (irmãs de Chico Buarque) – para compor caravana do Projeto Pixinguinha (vitrine da música brasileira), realizando shows nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pará e Amazonas. O grupo que o acompanhou nestas apresentações contava com profissionais de renome nacional, como o pianista e maestro/arranjador Helvius Vilela; o baterista Camanga; e o baixista Novelli, que teve atuações no famoso movimento musical mineiro conhecido como o “Clube da Esquina”. O instrumentista sul-mato-grossense Lúcio Val também fez parte desta seleta banda.

Dentre grandes atuações do cantor e instrumentista João Fígar, em marcantes eventos, podemos citar ainda aqui a sua participação no projeto Temporadas Populares no ano de 2000, quando abriu musicalmente o show do cantor Lenine. No Festival de Inverno de Bonito (em 2003), fez a abertura do show da cantora Zélia Duncan, apresentando o seu CD Águas do Pantanal, considerado pela crítica especializada como o melhor trabalho em 2002 de música regional: disco este que inclui (na faixa 4) a sua belíssima composição “Solidão”, que foi aclamada já no inesquecível festival/LP  Prata da Casa, que aconteceu no Teatro Glauce Rocha, com realização da UFMS e TV Morena, em maio de 1982 – aliás, sobre este icônico Prata da Casa, João Fígar recorda, sempre com emoção, curiosos detalhes: como a cena em que ele, no camarim do Glauce Rocha, antes de entrar no palco para a gravação oficial da sua música “Solidão”, pediu emprestado o violão do amigo Geraldo Espíndola, que estava ali com um belo instrumento aparelhado com um captador barcus-berry (que “era o que havia de mais moderno na época”, afirma João).

Já na Abertura do 1º Festival América do Sul (FAS), em Corumbá/MS – setembro de 2004 -, João apresentou-se cantando com a Orquestra de Câmara do Pantanal, que integra as atividades do Instituto Moinho Cultural Sul-Americano. Em 2007, participou do Festival de Inverno de Bonito, interpretando músicas do CD GerAções, disco que foi produzido por Márcio de Camillo e lançado em 2006, reunindo cantores regionais. Foi vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura de Campo Grande, e atuou na Fundac, coordenando relevantes programas musicais, como:  a tradicional Noite da Seresta, o Rock no Horto, Show na Cidade, Show na Praça, e outros. Ainda em 2007, apresentou-se em edição do ‘Canto do Sul – do Pampa ao Pantanal’, espetáculo musical realizado no Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo, em Campo Grande.

Mais recentemente, numa fecunda parceria criativa de João Fígar com Odon Nacasato, aconteceu – no final de 2017 – o lançamento do álbum “Pedra que Brilha”, contendo dez faixas musicais, que se encontram também disponíveis em várias plataformas digitais.

Astro que nasceu com brilho próprio e com o dom sublime para a arte musical, além de tocante sensibilidade, João Fígar é daqueles artistas que, quando o escutamos, temos a integral sensação de certeza daquela assertiva de Aristóteles: “a música é de natureza divina, e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição.

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*Rubenio Marcelo é poeta, escritor, ensaísta e compositor, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, autor de várias obras publicadas, inclusive o livro ‘Vias do Infinito Ser’: indicado para o triênio PASSE e Vestibular 2021/2022 da UFMS.

2 Comentários sobre “João Fígar e a música na sua essência”

  1. BIRA MORGHETTI disse:

    Como é bacana e inspirador, ao final de um domingo permeado de momentos de agradabilíssima leitura em forma de Prosa , do meu querido e ADMIRADO IRMÃO, como sempre … LIVRE E DE BONS COSTUMES, RUBENIO MARCELO, tendo ao fundo, uma seleção de JAZZ CONTEMPORÂNEO, a delicada homenagem para MAIS UM ILUSTRE E TALENTOSO ARTISTA, quase filho dessa terra , que por conta de um MARAVILHOSO GOLPE DO DESTINO, viesse fazer , ainda em tenra idade , seu lugar de morada, aqui, pertinho de nós … PARABÉNS JOÃO FÍGAR, espero que nessas voltas que o mundo dá, em momentos quiçá memoráveis, eu tenha o ENORME E ANTOLÓGICO prazer de dividir com queridos amigos, um pouco de seu INCONTESTÁVEL TALENTO

  2. BIRA MORGHETTI disse:

    Como é bacana e inspirador, ao final de um domingo permeado de momentos de agradabilíssima leitura em forma de Prosa , do meu querido e ADMIRADO IRMÃO, como sempre … LIVRE E DE BONS COSTUMES, RUBENIO MARCELO, tendo ao fundo, uma seleção de JAZZ CONTEMPORÂNEO, a delicada homenagem para MAIS UM ILUSTRE E TALENTOSO ARTISTA, quase filho dessa terra , que por conta de um MARAVILHOSO GOLPE DO DESTINO, viesse fazer , ainda em tenra idade , seu lugar de morada, aqui, pertinho de nós … PARABÉNS JOÃO FÍGAR, espero que nessas voltas que o mundo dá, em momentos quiçá memoráveis, eu tenha o ENORME E ANTOLÓGICO prazer de dividir com queridos amigos, um pouco de seu INCONTEST TALENTO …

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