Capitão Talibã

Não dá para saber se é convicção ou pura maldade... O que pode levar alguém vetar um projeto de lei que assegura o direito à saúde feminina com a distribuição de absorventes higiênicos a adolescentes, jovens e adultas em situação de vulnerabilidade, além das mulheres privadas de liberdade? E o que dizer, então, do confisco das verbas para a soberania tecnocientífica brasileira, que ameaça a continuidade de pesquisas vitais para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovações?

Até o mais insensível ser da face da Terra teria vergonha de vetar, entre tantas outras barbaridades, um projeto de lei assegurando a distribuição de absorventes higiênicos a adolescentes, jovens e adultas em situação de vulnerabilidade e mulheres privadas de liberdade em pleno século XXI.

Mais: na mesma semana (e antes que fossem liberados os recursos orçamentários) determina o confisco, aliás, ‘remanejamento’ (sic), de uma migalha – comparada com o montante destinado para o setor nos três governos anteriores – para assegurar a soberania tecnocientífica brasileira, isto é, fomentar o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovações por meio de pesquisas de vanguarda.

A mensagem é clara, nítida, como a luz do dia: ‘o governo sou eu’ e como misógino não vou dar nada de graça para as mulheres (pros ‘machos’ que me seguem já dei armas e munições sem burocracia nem impostos); também nada para esses caras que só falam mal de mim, porque todo cientista é ‘comunista’ (toc, toc, toc!)…

Sem qualquer formação humanista, fundamental para qualquer aspirante a estadista, o ex-capitão já fez o mesmo com a Lei Rouanet: igualmente nada para a cultura, porque todo artista também é ‘comunista’. Isso para não falar dos recursos do IPHAN e para a manutenção de museus e acervos históricos como os da extinta Embrafilme, queimados por omissão deliberada de obscurantista convicto.

Leviandade e cinismo em pequenas mostras é bobagem… Nesta semana, quando a CPI da Pandemia apresentou seu relatório final, precisamente no mesmo dia o sinistro da Cidadania (nem sabia que esse ministério ainda existisse) apresentou a nova versão de ‘Bolsa Família’ – ou melhor, ‘Auxílio Brasil’ -, antes mesmo que a área econômica do (des)governo pudesse definir em lei a fonte, como determina a Constituição Federal. Por conta disso, o ‘posto Ipiranga’ apareceu ao lado do capitão Talibã para dizer que não pretende ‘cair fora’.

Entenda-se, portanto, que seu prestígio (pero no mucho) junto ao presidente continua sem sofrer abalos ou arranhões. Os abalos e arranhões ficaram, na verdade, por conta do mercado, que não aceitou a lorota de que não há qualquer intenção de abandonar o teto dos gastos. ‘Trata-se, apenas, de encontrar fórmula milagrosa para driblar a legislação fiscal, a mesma que serviu de pretexto para tirar Dilma Rousseff de seu segundo mandato por causa da badalada ‘pedalada fiscal’…

Esse é o preço que a população não para de pagar pelo erro histórico cometido por um conjunto de setores que não podem ser eximidos de suas responsabilidades. Ao abrir a tampa da lata de lixo – ‘caixa de Pandora’ uma ova! -, por pura má-fé, nos empurraram à beira do abismo, de onde nos encontramos desde que as hordas de fora de lei tomaram de assalto os destinos da nação.

A despeito de um ufanismo hipócrita e bizarro, logo aqueles que se dizem patriotas em uma mesma oportunidade comprometem a saúde reprodutiva de dezenas de milhões de mulheres e a soberania científica brasileira, sem qualquer hesitação. Nem Hitler, um nazista louco, foi capaz de fazer coisas como essas contra seu país!

O que pretendem os negacionistas, fundamentalistas, sonegadores e as hordas milicianas e de grileiros, jagunços e outros fora de lei? No fundo, o núcleo ‘ideológico’ pretende instalar aqui um Afeganistão, uma dinastia de talibãs tupiniquins, na véspera de celebrar o primeiro século da Semana de Arte Moderna. Terra sem lei, sem direitos, do medo e da opressão. Ficam aterrorizando as pessoas crédulas com suas fake news para impor suas falsas verdades, tão inconsistentes quanto sua (falta de) lógica rasa e anacrônica.

Nos tempos de Efe-agá-cê dizia-se que o Haiti era aqui. Na semana passada o Professor Fausto Matto Grosso, em oportuno e consistente artigo, justificou por que o Saara hoje é no Brasil rico por natureza. Mas me atrevo a provocar que agora, nesta quadra da história, estamos nos metamorfoseando em Afeganistão, dos tempos do Talibã.

Tã-tã-tã, capitão talibã! Se pedem feijão, atirem balas. Se pedem saúde, arremessem cloroquina. Se pedem progresso, joguem misoginia. Pedem direitos, despejem ameaças. Interessa mesmo é ficar pelo menos até 2026. Pelo menos, porque a ideia é salvar o Brasil: da corrupção, do centrão, do tráfico de influência e de outras formas de tráfico. E ponto final.

*Ahmad Schabib Hany

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