Orçamento do Ministério da Saúde cresceu apenas 0,1% no ano passado

O custo per capita com a saúde que, em 2014, foi de R$ 595 por ano, chegou em 2020 em R$ 555, para cada cidadão. Pesquisadoras do Inesc afirmam que o baixo financiamento na área explica boa parte do caos assistido no sistema público brasileiro diante da pandemia do Covid-19.

Em 2019, a execução do orçamento da função Saúde se manteve no mesmo patamar em relação ao ano anterior, tendo sido pagos R$ 128,7 bilhões, um crescimento real de 0,15% em relação ao ano anterior. Já o orçamento do Ministério da Saúde, que inclui outras despesas, praticamente não sofreu alterações, correspondendo a R$ 138,4 bilhões (crescimento de 0,9% em relação ao ano anterior). Com isso, o recurso gasto em 2019 ficou semelhante aos patamares de 2014.

Foto: Shutterstock

O que sugere uma estagnação no investimento da saúde pública, na verdade, é uma redução do valor per capita voltado para essa área. No mesmo período, a população do Brasil aumentou em 7 milhões de habitantes[1] e, com o crescimento constante das demandas, o custo anual aplicado pelo governo federal na saúde da população, dividido pelo número de cidadãos, caiu de R$ 595, em 2014, para os atuais R$ 555[2].

Esses números estão presentes no recém-lançado estudo “O Brasil com Baixa Imunidade”, elaborado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) – organização não governamental, apartidária e especializada em análise do orçamento público. Segundo o documento, esses valores são alarmantes, dado o histórico de insuficiência de recursos destinados ao Sistema Única de Saúde (SUS).

Luiza Pinheiro, assessora política do Inesc, afirma que já esperava por um 2020 com menos gastos para a saúde, por conta da política de austeridade adotada, que culminou na aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016. “Essa lei fixou um teto de gastos, acabando com o investimento antes calculado com base em um percentual mínimo para essa área”, diz.

Para ela, a pandemia explica grande parte do caos assistido nos últimos dias nos hospitais públicos. “Mas a falta de investimento adequado para o SUS já fazia o sistema ter problemas para atender as demandas da saúde bem antes da pandemia”, acrescenta Luiza.

A bem da verdade, a Constituição Federal estabeleceu, nas suas disposições transitórias, uma alocação mínima de 30% para a saúde, mas isso nunca foi cumprido. Diversas emendas constitucionais e leis complementares mexeram no piso da área, até que uma delas, a Emenda Constitucional (EC) 86/15 fixou em 15% da receita corrente líquida[3]. Em 2016, veio a EC 95 que atropelou essa regra, congelando o investimento a partir de 2018 para a implantação de um novo cálculo: o recurso para a saúde será o valor investido no ano anterior, apenas corrigido pela inflação.

“Se o SUS estivesse corretamente financiado, talvez tivéssemos mais leitos de UTI, respiradores, testes e equipamentos de proteção individual para os profissionais da saúde”, lamenta a assessora, lembrando de alguns números do Conselho Nacional de Saúde[4]. Se em 2019 ainda estivesse valendo a porcentagem de 15% da receita para o cálculo do orçamento da saúde, a área teria R$ 20,2 bilhões a mais em recursos. Com o orçamento congelado por 20 anos, o prejuízo ao SUS pode ultrapassar R$ 400 bilhões.

Considerando as subfunções da Saúde, o principal gasto federal se concentra em assistência hospitalar ou ambulatorial, que em 2019 correspondeu a 43,4% da execução do orçamento do Ministério. Em seguida, estão os gastos com: atenção básica (20,3%), suporte profilático e terapêutico (10,5%), previdência do regime estatutário (7,4%), administração geral (6,9%) e vigilância epidemiológica (6,3%).

Execução do orçamento da função saúde, 2012 a 2019 *

(*) Valores em reais constantes de janeiro de 2020

Luiza lembra que, em 2019, ainda houve a criação do programa “Médicos pelo Brasil”, em substituição ao Mais Médicos. Por meio da mesma Medida Provisória, instituiu-se ADAPS (Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde), com o intuito de buscar parcerias com a iniciativa privada para prestar alguns serviços recebendo o dinheiro público.

 “O governo apontou novamente para a lógica da privatização do sistema, considerando a saúde como mercadoria. Sabemos que, quando bem financiado e organizado, o serviço público é indispensável para garantir o direito à saúde, universal e, principalmente, gratuita”, esclarece a assessora do Inesc.

O ano passado ficou marcado também pela PEC Emergencial 186/2019, visando a redução da carga horária do funcionalismo público em até 25%, com a respectiva redução salarial ou o veto a promoções e abertura de novos concursos. “Se aprovadas, essas medidas terão impacto direto na saúde, pois muitos profissionais trabalham no limite da sua capacidade, com escassez de pessoal ou sem condições adequadas, devido à falta de equipamentos e baixos salários”, diz.

Observando seus esforços na linha de frente do combate à pandemia, essa categoria merecia ter suas carreiras valorizadas, com seus quadros repostos – e não o contrário.

[1]IBGE. Estimativas de população enviadas ao TCU. Ano de 2019.

[2] Dados do Conselho Nacional de Saúde

[3] Receita Corrente Líquida: indica os recursos que o governo dispõe a cada exercício para fazer frente as suas despesas. É o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes. Deste valor, são subtraídos os valores transferidos, por determinação constitucional ou legal, aos Estados e Municípios, no caso da União.

[4] Segundo o Conselho Nacional da Saúde, a área perdeu R$ 20 bilhões em 2019 por causa da EC 95/2016. 2020

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Topo