De que forma o mundo está mudando com a pandemia?

Lino Rampazzo – Foto: Divulgação

Durante a Celebração da Solene Liturgia da última Sexta-feira Santa, na Basílica de São Pedro, o Pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, capuchinho, refletiu sobre a triste realidade da pandemia do Coronavírus, o COVID-19, buscando uma “luz”, a partir da fé cristã.

Ele citou um texto do Papa São Gregório Magno (540-604), para quem a Sagrada Escritura exprime significados sempre novos segundo as perguntas que o homem traz no coração ao lê-la. Diante da narrativa da Paixão todos os homens têm se perguntado: por que este vírus está atingindo o mundo inteiro?

A cruz de Jesus nos ajuda a encontrar esta resposta. Por um lado, a Paixão de Jesus mostra as atitudes daqueles que quiseram matá-lo, ou a covardia de Pilatos, que lavou as mãos, ou a crueldade dos seus torturadores. Estas foram as causas da morte de Cristo. Mas qual foi o efeito da morte de Cristo? A nossa salvação, ou como diz o apóstolo Paulo, “justificados pela fé, estamos em paz com Deus por obra de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rom 5,1).

A cruz de Cristo, então, mudou o sentido da dor e de todo sofrimento humano, físico e moral. Ela não é mais um castigo, uma maldição.  De fato, como escreve Santo Agostinho, Deus, que só é Bondade, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar do mal o bem.

Passando, agora, a considerar, mais atentamente, a situação da COVID-19 espalhada pelo mundo inteiro, a princípio somente percebemos os efeitos negativos. E as tristes manchetes todos os dias nos falam disso: muitos mortos, e ainda mais, muitos infectados, desempregados, incertezas sobre o nosso futuro. Mas será que Deus, deste mal tão inesperado e tão triste, não extrai alguns bens? Sim.

Antes de tudo, este vírus nos recorda que somos mortais, que o poder e a tecnologia não bastam para nos salvar. Fique bem claro: não foi Deus que provocou o coronavírus. Se esta doença fosse castigo de Deus, não seria explicado por que ela cai igualmente nos bons e nos maus, e por que geralmente são os pobres que têm as maiores consequências. Eles seriam mais pecadores que outros?

Será que Deus Pai quis a morte do seu Filho, a fim de daí tirar o bem? Não, simplesmente permitiu que a liberdade humana fizesse o seu percurso, contudo, fazendo-a servir ao seu plano, não ao dos homens. Isto vale também para os males naturais, como terremotos e pestilências. Ele não os provoca. Ele deu também à natureza uma espécie de liberdade, claro, qualitativamente diversa daquela moral do homem, mas ainda assim, sempre uma forma de liberdade. Liberdade de evoluir-se segundo suas leis de desenvolvimento. Não criou o mundo como um relógio pré-programado em cada mínimo movimento.

A outra consequência da presente crise de saúde é o sentimento de solidariedade. Quando foi, desde que há memória, que os homens de todas as nações se sentiram tão unidos, tão iguais, tão pouco contenciosos, como neste momento de dor?

Esquecemo-nos dos muros por construir. O vírus não conhece fronteiras. Em um segundo, abateu todas as barreiras e as distinções: de raça, de religião, de censo, de poder. Não devemos voltar atrás quando este momento tiver passado. Não podemos deixar que tanta dor, tantas mortes, tanto esforço heroico por parte dos profissionais de saúde tenha sido em vão.

E, quanto à oração que dirigimos a Deus nestes dias tão difíceis, podemos perguntar: será que Deus deseja ser implorado para conceder os seus benefícios? Não, mas há coisas que Deus decidiu conceder-nos como fruto, junto com sua graça e a nossa oração.

 “Depois de três dias eu ressuscitarei”, Jesus predisse (Mc 9,31). Nós também, depois desses dias que esperamos curtos, ressuscitaremos e sairemos dos túmulos de nossas casas, não para voltar à vida anterior como Lázaro, mas para uma nova vida, como Jesus: uma vida mais fraterna, mais humana, mais cristã!

* Lino Rampazzo é doutor em Teologia e coordenador do Curso de Teologia da Faculdade Canção Nova (Cachoeira Paulista, SP).

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