O Dia Mundial da Saúde em Tempos de COVID-19

Como nunca, nestes tempos inimagináveis em que o novo coronavírus coloca todos os seres humanos no mesmo nível ao ameaçar a sobrevivência da humanidade e da sociedade pretensamente civilizada, a saúde pública em todo o planeta volta a ocupar seu lugar como direito, e não mais mercadoria ou objeto de lucro de poucos, que se valem da tecnologia e do dinheiro para comprar serviços especializados.

Desde a sua criação, em 7 de abril de 1948, a Organização Mundial da saúde (OMS) tem primado pela saúde como direito humano — isto é, a saúde pública, e não a privada da lógica do mercado –, como um conjunto de condições em que o bem-estar inerente à condição humana, e não apenas como a inexistência de doença, orientem políticas públicas que promovam a dignidade humana.

Por essa razão, a data de criação da OMS se transformou no Dia Mundial da Saúde, quando trabalhadores em saúde, usuários/as, gestores/as e prestadores/as de serviços de saúde privados se unem para celebrar e repactuar o compromisso de uma sociedade em que a saúde seja vista como direito, e não mera mercadoria ou meio de vida de alguns/mas em detrimento de muitos/as. Até porque a Vida e a História ensinam que o direito se sobrepõe sobre os serviços, coisas e privilégios.

Coincidência ou não, 40 anos depois, durante os memoráveis trabalhos de construção do Estado Democrático de Direito, quando da elaboração da Constituição Cidadã, entre 1987 e 1988, sob a sábia batuta do querido e saudoso Doutor Ulysses Guimarães, o Título da Ordem Social ganhou relevância por causa dos movimentos sociais, alguns dos quais anteriores ao regime de 1964. À época, tornou possível a conquista destes direitos a mobilização dos setores organizados da sociedade, como o Movimento da Reforma Sanitária que defendeu o Sistema Único de Saúde (SUS), então chamado de Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS); o Movimento Criança Constituinte Prioridade Absoluta, que levantou a bandeira da doutrina da proteção integral para substituir a velha doutrina da situação irregular do caduco Código de Menores e seu temido reformatório; o Movimento do Serviço Social Cidadão, em que as vanguardas dos/as assistentes sociais e cientistas sociais uniram a sua capacidade de luta para implantar com pioneirismo em todo o mundo ocidental as bases da Lei Orgânica da Assistência Social, da política nacional do idoso, da igualdade racial e de gênero, entre outras.

Por meio de modestas e discretas iniciativas, em que grandes e valorosos/as guerreiros/as dedicaram seus melhores dias e o de melhor de si, Corumbá e Ladário também deram a sua fundamental contribuição para estes históricos avanços, que não ficaram apenas no texto legal, que muitas vezes viram letra morta, como nestes bisonhos tempos em que o Poder Judiciário se curvou diante da prepotência do Executivo golpista e o Legislativo de maioria acovardada (desde 2016). Com o imprescindível aval do saudoso e querido Dom José Alves da Costa, Bispo Emérito da Diocese de Corumbá, e da inestimável contribuição de grandes párocos como o Padre Pasquale Forin, e missionários/as católicos/as como o saudoso e querido Padre Ernesto Sassida e as freiras Irmã Antônia Brioschi e Irmã Zenaide Britto, e inesquecíveis pastores evangélicos (das Igreja Presbiteriana e Igreja Batista) como o Pastor Fernando Sabra Caminada, o Pastor Marcelo Moura e o saudoso e querido Pastor Antônio Ribeiro, a partir do início da década de 1990, foi possível a construção de um conjunto de coletivos cidadãos, entre os quais o Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (Forumcorlad) e o Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), hoje com mais de 25 anos cada um, que garimparam cidadãos/ãs dignos/as dos maior reconhecimento para fazer o enfrentamento e a conquista de direitos que estavam “na lei”, mas não na prática.

Graças ao modelo de fórum de políticas públicas articuladas, consentâneo com nossas especificidades regionais, foram protagonizadas ricas e valorosas experiências, as quais foram multiplicadas nos espaços públicos que até então articulavam apenas usuários/as, trabalhadores/as das áreas e entidades de defesa de direitos coletivos e de entreajuda da capital do estado. Passamos quase três anos em Campo Grande para, humilde e discretamente, com o relevante apoio da Assistente Social Estela Márcia Scandola e do Biólogo Alcides Faria, fazer com que os fóruns específicos que atuavam impecavelmente pudessem ganhar a experiência do modesto mas aguerrido Forumcorlad e consolidar vitórias históricas em todos os espaços públicos existentes na época: além da consolidação e ampliação da representatividade dos fóruns específicos, foi construída a Plenária Permanente de Políticas Públicas de Mato Grosso do Sul em maio de 2000, a qual alavancou importantes conquistas em todas as políticas públicas estaduais e nacionais, por meio da Rede Brasil de ONGs e Movimentos Sociais, e consolidadas no Comitê de Monitoramento do Programa Pantanal e da Rede Pantanal de ONGs e Movimentos Sociais.

Indiscutivelmente — e nessa direção estou livre de qualquer suspeição, pois não sou quadro do então partido governista, contra o qual diversas vezes me insurgi, mas longe de jogadas golpistas, tendo assumido a defesa isolada por anos a fio –, os governos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da Presidenta Dilma Rousseff deram provas eloquentes e inequívocas de seu real compromisso com a democracia participativa, tendo promovido centenas de conferências de políticas públicas em todas as instâncias deliberativas (das locais até as nacionais, em cada uma das políticas públicas específicas). Entre 2003 e 2016 foram concretizadas demandas históricas nas políticas públicas sociais, em que o repasse dos recursos passou a ser fundo-a-fundo, fazendo com que o conselho e os respectivos fóruns ganhassem protagonismo, e o velho tráfico de influências refluído fragorosamente.

Passados/as alguns/mas anos/décadas, e neste contexto de enfrentamento à covid-19, ganha maior relevância nosso grande patrimônio nacional, tão debochado quanto mal falado SUS, para o qual políticos/as conservadores, grandes empresários/as, profissionais da saúde de visão privatista e pessoas equivocadas levadas pela onda conservadora que varreu o Brasil desde 2013 lhe voltaram as costas, sobretudo ao defender o seu sucateamento — quando não a sua privatização –, que não conseguiram realizar, até porque a sucessão de supressão de direitos conquistados com muito denodo não foi feliz em seu nefasto intento, e o novo coronavírus chegou antes da punhalada fatal.

Em plena efervescência da pandemia estamos vendo, em escala planetária, potências militares, econômicas e políticas se submeterem à real insignificância, à impotência de todos os seres humanos, com ou sem poder, com ou sem dinheiro, com ou sem tecnologia, com ou sem influência. Vemos também membros de gabinetes ministeriais ou da grande burguesia bancária global tendo que recorrer aos mesmos protocolos de tratamento ou de preservação da própria Vida, como que a natureza quisesse nos dizer que nossa espécie, a despeito de tanta arrogância, é tão frágil e vulnerável que as pragas de gafanhotos ou de moscas a infestar as plantações do poderoso agronegócio.

Não por acaso, de propósito, nefasto propósito, o psicopata que garfou as eleições de 2018, forjando um atentado nunca comprovado e fugindo dos debates, tem se apresentado obcecado para induzir as grandes massas trabalhadoras a não se enquadrar nesse mesmo protocolo, quando suas famílias e as famílias das hordas de meliantes fanáticos pressionam políticos de caráter rastejante a descumprir as recomendações das autoridades sanitárias, emanadas pela OMS, como a dizer “vocês não são dignos/as para merecer cumprir este protocolo e estão destinados/as a morrer como baratas nos corredores da saúde pública”, que insiste em ver sucateada, sem qualquer investimento, nem com a aquisição de novos respiradores mecânicos, que tem sido sistematicamente protelada.

Diante desses milimétricos avanços e flagrantes recuos ocorridos, precisamos celebrar, ainda que de modo virtual e por meio da mídia ou das redes sociais, o Dia Mundial da Saúde, que neste ano de enfrentamento heroico ao novo coronavírus e à pandemia da covid-19, traduzido no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos espaços públicos construídos com denodo e sacrifício ao longo de décadas. A defesa do SUS e com ele o respeito pelo usuário dos SUS e a valorização de seus trabalhadores/as em todas as categorias profissionais (médicos/as, enfermeiros/as, odontólogos/as, psicólogos/as, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, biomédicos/as, técnicos/as de laboratório, de enfermagem, de radiologia, de profilaxia etc) tornam-se urgentes e necessários.

E não é demais repetir a consigna deste Dia Mundial da Saúde: o SUS é o melhor sistema de proteção de nossas vidas, copiados por diversos países em todos os continentes. E não se esqueça: a melhor prova de amor pelos/as seus/suas é que FIQUE EM CASA.

*Ahmad Schabib Hany

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Topo