2017, ano de desafios

Estranha unanimidade essa em que opostos têm a mesma convicção, de que nada foi pior que 2016 e que 2017 será um ano melhor, pois está a clamar por desafios. Tanto Amigo(a)s que lutaram contra o golpe (isto é, o impeachment) como o(a)s que o apoiaram, ao enviar-nos seus comentários, aliás, sinceros, estavam tacitamente de acordo, pelo menos na expectativa de que o ano que chega seja cenário de bons augúrios para o Brasil e toda a humanidade.

Vamos por partes. De um lado, a artista plástica Marlene Terezinha Mourão, querida Amiga de longa data, a Peninha de minha juventude rebelde que, ao lado da hoje saudosa Heloísa Urt – a queridíssima Helô -, fez parte da histórica fundação do maior partido de esquerda do continente americano, o Partido dos Trabalhadores (PT). Ela fez questão de deixar claro que o ano que se prenuncia “será melhor, muito melhor, com fé e com amor”. Igualmente Amigo querido de três décadas e mais alguns anos, Camarada da maior formação, o professor Fausto Matto Grosso, um dos bastiões da luta pelas liberdades democráticas – fundador do MDB, PMDB, PCB e PPS, ex-vereador da capital e pró-reitor da UFMS em cuja gestão criou o Festival de Corumbá (1994-1996), precursor do Festival América do Sul, e ex-secretário de Estado de Planejamento de Mato Grosso do Sul –, em sua lacônica mensagem de votos de ano novo, externou uma explícita torcida por um feliz e próspero ano, que vindo dele representa mais que uma mensagem formal, mas uma efetiva (e afetiva) expectativa redentorista (bem entendido, não da congregação católica).

Extremamente ética e altruísta, a poeta, cartunista, escritora e artista plástica, Peninha, como ninguém, representa o de melhor no PT. Mas nem por isso pôde se eleger, em suas várias tentativas, representante da população excluída que clama por voz e vez. Nos melhores tempos do PT, o(a)s eleito(a)s foram neófito(a)s, recém-chegado(a)s, que no momento de defender o partido dos ataques virulentos a exalar ódio, estavam abrigado(a)s em novas legendas. Mas lá estava a Peninha, com o(a)s pouco(a)s aguerrido(a)s militantes – é que aquele(a)s que aproveitaram a “onda petista” nunca foram do PT. Com Helô e Peninha, estivemos na criação do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino, em 1987; no primeiro movimento pela restauração do ILA, em 1991; na Segunda Semana Social Brasileira e na Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida, de 1993; no Pacto Pela Cidadania, no Fórum de Entidades Não Governamentais e no Comitê de Defesa da Urucum, de 1994; na Campanha contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, de 1996; Encontros da Cidadania, de 1998; no Comitê de Defesa do Rio Paraguai, de 1999; na Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente, de 2000; no Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental, de 2001; na Rede Pantanal de ONGs e Movimentos Sociais, de 2002; no Observatório da Cidadania, de 2014.

Apesar de tudo isso, dois são os momentos inesquecíveis com a Peninha: a impactante (primeira!) passeata pela implantação de filtros na fábrica de cimento, em 1980, ao lado da Helô, Zé de Oliveira, Dona Eva Granha, Valmir Corrêa, José Dilson Carvalho, Roma Román e Romeo Román, ao som de “ação, ação, ação: abaixo a poluição!”, e a gloriosa e solitária passeata em defesa do Estado Democrático de Direito e do mandato da presidente Dilma, em fevereiro de 2016, ao lado de Edmir Abelha, Jocimar Campos, Erisvaldo Ajala, Miro Temelcovitch, Daniela Peño, Monder Safa, Masao Uetanabaro, Janán Hany e outras pessoas de minha família. Na passeata de 1980, éramos quase 50 pessoas; em 2016, apenas 13 pessoas.

Diferentemente de Roberto Freire, que conduziu o PCB para o social-liberalismo, via PPS, quando da dissolução da União Soviética, Fausto Matto Grosso é um quadro histórico, disciplinado e estoico militante do extinto Partidão, cuja postura ética rigorosamente alinhada ao chamado centralismo democrático o tornou referência na Câmara Municipal de Campo Grande entre os anos 1983 e 1989, pois, eleito em 1982, excepcionalmente seu mandato foi de seis anos. Fausto e Marcelo Barbosa Martins, outro Camarada que marcou sua passagem pelo Legislativo campo-grandense por sua conduta ilibada e compromisso com as liberdades democráticas, foram eleitos pelo PMDB representando o extinto PCB, em razão da proscrição a que os marxistas leninistas (PCB e PCdoB) estavam impelidos por causa da guerra fria e depois pelo regime de 1964. Sem risco de ser desmentido, Fausto e Marcelo trocaram uma carreira bem-sucedida – mais que isso, brilhantemente longeva – pelo compromisso ideológico com o socialismo. Enquanto Marcelo optara por não ser candidato à reeleição, Fausto não obtivera legenda, a despeito da excelente votação – e assim foi em suas diversas tentativas para a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.

Tive a honra de acompanhar memoráveis campanhas de que Fausto Matto Grosso participou, como a histórica eleição de 1982 para vereador; de 1985, como candidato a vice-prefeito do também engenheiro Euclides de Oliveira, saudoso quadro do PCB, cujo programa eleitoral foi uma lição de gestão democrática da cidade, com a adoção de conselhos de políticas públicas antes mesmo da Constituinte de 1987; de 1986, quando saiu coligado à Aliança Democrática, mas acabou suplente por problemas com a legenda; de 1992, quando, coligado com o PT, ficou suplente, numa renhida disputa com dois fundadores do PT, Alcides Faria e Zeca do PT, que, duas legislaturas depois, foi eleito governador de Mato Grosso do Sul numa coligação com o PDT, PPS e PCdoB, em que outro Camarada histórico, o igualmente querido Amigo Carmelino Rezende saiu candidato ao Senado numa campanha memorável em que a querida Amiga e Jornalista Ana Cláudia Salomão, Camarada do PCdoB, teve uma extraordinária participação na estratégia de comunicação. Mas é também inesquecível a emblemática campanha de Fausto Matto Grosso para reitor da UFMS, quando apresentou uma carta-programa ousada e inovadora, parte dela aplicada em sua gestão como pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, no período seguinte.

A participação, portanto, de Fausto Matto Grosso no primeiro governo de esquerda, como secretário de Planejamento do governador Zeca do PT, entre 1999 e 2002, e do primeiro governo de esquerda do Brasil, como assessor do ministro Ciro Gomes (pelo PPS), da Integração Nacional, primeira gestão do presidente Lula, entre 2003 e 2006, deu relevantes contribuições para a tardia consolidação do Estado Democrático de Direito, consignado pela Constituição Federal de 1988: destacaremos, em nível estadual, a política de Ciência e Tecnologia, implementada com a participação da professora Sonia Jim, superintendente da área; a estruturação da FUNDECT, em que a escolha por meio de lista tríplice revelou o professor Paulo Boggiani por sua excepcional capacidade de gestão para o desenvolvimento efetivo da Ciência e Tecnologia; e a construção democrática do Plano de Desenvolvimento Estratégico MS-2020, entre outras conquistas memoráveis. Já em nível nacional, talvez a mais emblemática contribuição tenha sido, também pela via democrática, a construção de uma agenda regional de políticas públicas efetivas para o Pantanal Mato-grossense, além da implantação do necessário, mas inconcluso, Observatório do Pantanal, abandonado, sobretudo, pelas instituições públicas e privadas de pesquisa (entre as quais as Universidades com atuação regional).

Assim, a artista plástica cidadã que participou da fundação do maior partido de esquerda da América e o incansável militante do mais antigo partido de esquerda do Brasil estão juntos na esperança de um País e um Planeta melhor em 2017, o ano do centenário da Revolução Bolchevique, em que pela primeira vez na história da humanidade trabalhadores do campo e da cidade assumiam o poder numa potência imperial e iniciavam a construção de um Estado eminentemente socialista até o dia em que os burocratas tomaram o poder pela via insana da corrupção, da sordidez e da opressão.

Feliz 2017! Que a esperança vença o ódio!

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